sábado, 5 de fevereiro de 2011

Pequeno, bonito e mais barato

Reproduzido da
2/02/2011 - 10h02
Pequeno, bonito e mais barato
Por Washington Novaes*

Houve tempo em que se popularizou a expressão “small is beautiful” (o pequeno é bonito), que pretendia demonstrar, principalmente na área ambiental, que pequenas iniciativas, pequenas obras, eram um caminho mais fértil, mais barato, de benefícios sociais mais amplos. Hoje a expressão parece em desuso, ao mesmo tempo que se ampliam informações sobre megaobras (que custam fortunas) como solução para problemas sociais, ambientais e econômicos – quando, quase sempre, elas são desperdiçadoras de recursos e concentradoras de benefícios, principalmente nas megaempresas que as executam e influenciam as macropolíticas do País.

Talvez o exemplo mais claro, já comentado neste espaço, seja o da área de energia, em que quase só se planejam mega-hidrelétricas na Amazônia ao custo de dezenas de bilhões de reais, além de outras problemáticas para áreas indígenas e de preservação legal – sem discussão clara com a comunidade científica, que tem apontado outras possibilidades, poupadoras de recursos que poderiam ser destinados a áreas sociais muito carentes. Ainda agora, noticia-se também (Estado, 30/12) que o BNDES emprestará R$ 6,1 bilhões (56,8% do valor total) para construção da usina nuclear Angra 3. Na verdade, a obra já foi iniciada – embora a licença concedida estabelecesse a condicionante de se definir, antes, a destinação final dos resíduos nucleares altamente perigosos, e isso não ocorreu. Sem esquecer o que o cientista Carlos Nobre, coordenador da política nacional do clima, afirmou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que esse projeto precisaria ser revisto com cuidado, diante da inconveniência de implantar usinas nucleares à beira-mar, com o processo já em andamento de elevação do nível do oceano. Mas segue-se em frente, como se nada tivesse sido dito. E ainda se planejam mais quatro usinas do mesmo tipo.

Não é muito diferente na área do saneamento, em que mais de 50% da população (mais de 107 milhões de pessoas) continuam sem rede coletora de esgotos, menos de 30% dos esgotos coletados são tratados e quase 40 milhões de pessoas não recebem água tratada em suas casas (Gesner de Oliveira, ex-presidente da Sabesp, 2011) – com graves consequências também na área de saúde, na qual as doenças veiculadas pela água são a principal causa de internações e consultas na rede pública; e na dos recursos hídricos, em que o despejo de esgotos sem tratamento é a principal causa de poluição. Mas nem se acena com qualquer possibilidade próxima de solução, pois se argumenta que para universalizar o atendimento na área serão necessários megainvestimentos de R$13,5 bilhões por ano durante 15 anos (Folha de S.Paulo, 7/1). Ou R$ 255 bilhões, segundo a Sabesp. E ainda é preciso lembrar que os investimentos pelo PAC nesse setor – de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões por ano – não têm chegado nem à metade do planejado.

Talvez seja a hora de relembrar, então, que, dada a urgência de soluções para a sociedade, o pequeno pode ser bonito – e muito mais rápido. Começando pelo saneamento. Brasília é hoje a capital com maior índice de coleta de esgotos, acima de 90%, graças ao sistema condominial, criado pelo pernambucano José Carlos Mello e introduzido na cidade no início da década de 90. Que, eliminando, nas quadras internas em áreas de expansão, a maior parte das caríssimas redes coletoras de grandes manilhas de concreto, conseguiu ali, com enorme economia, chegar bem perto da universalização. No Brasil já existem cerca de 5 milhões de pessoas beneficiárias do sistema, além de 1 milhão no Peru. Mas continua muito forte a resistência das empresas estatais a adotar esse caminho e restringir megaobras.

Não é a única solução de menor porte. A própria Agência Fapesp, junto com o Instituto de Geociências da USP, desenvolveu modelo eficiente de fossas sépticas para comunidades de menores recursos, capazes de degradar a matéria orgânica nos esgotos e dar tratamento adequado ao nitrogênio, que costuma permanecer durante décadas nas águas próximas das fossas convencionais (e 75% dos municípios paulistas já usam águas subterrâneas). Com a vantagem de que as fossas podem ser construídas por qualquer pedreiro, a custo baixíssimo (Agência Fapesp, 27/8/2010). No Paraná, onde 57,9% das cidades não dispõem de redes de coleta de esgotos (Ambiente Brasil, 27/12/2010), também se começam a instalar “estações de tratamento de esgotos por zona de raízes”, um sistema em que plantas filtram o efluente antes de lançá-lo na natureza. Uma estação para tratar efluentes de uma casa pode ser feita em dois dias e custar R$ 500. Ou pouco mais, em pequenos conjuntos. Os coliformes fecais são reduzidos em 99%. Já há projetos maiores em andamento, como, em São José dos Pinhais (PR), uma estação para tratar os efluentes de 700 pessoas. A bióloga Tamara Van Kaick, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, atesta a eficiência do sistema.

Ainda na área do saneamento, é inacreditável que não se implantem sistemas para financiar a recuperação de redes de água, quando a perda média em nossas cidades é de 40% da água que sai das estações de tratamento e custa de cinco a sete vezes menos recuperar um litro de água que obter um litro “novo” com novas barragens, novas adutoras e novas estações de tratamento. Mas as prefeituras não conseguem recursos para entrar por esse caminho econômico.

Da mesma forma, dezenas de bilhões de reais vão para projetos como o da transposição das águas do Rio São Francisco e, em boa parte, para cidades com esses níveis de perda – enquanto é enorme a luta para conseguir mais recursos para construir cisternas de placas nas comunidades isoladas do Nordeste, capazes de abastecer de água uma família durante toda a estiagem. Cada uma delas custa cerca de R$ 1,3 mil, mas só foram instaladas 323 mil, quando se precisa de mais 1 milhão.

“Small is beautiful” – é preciso, mais que nunca, gritar pelas ruas.

*Washington Novaes
é jornalista.

**Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.


(Envolverde/Mercado Ético)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Wikileaks revelam sabotagem contra Brasil tecnológico


Os telegramas da diplomacia dos EUA revelados pelo Wikileaks revelaram que a Casa Branca toma ações concretas para impedi dificultar e sabotar o desenvolvimento tecnológico brasileiro em duas áreas estratégicas: energia nuclear e tecnologia espacial. Em ambos os casos, observa-se o papel anti-nacional da grande mídia brasileira, bem como escancara-se, também sem surpresa, a função desempenhada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, colhido em uma exuberante sintonia com os interesses estratégicos fo Departamento de Estado dos EUA, ao tempo em que exibe problemática posição em relação à independência tecnológica brasileira. O artigo é de Beto Almeida.
O primeiro dos telegramas divulgados, datado de 2009, conta que o governo dos EUA pressionou autoridades ucranianas para emperrar o desenvolvimento do projeto conjunto Brasil-Ucrânia de implantação da plataforma de lançamento dos foguetes Cyclone-4 - de fabricação ucraniana - no Centro de Lançamentos de Alcântara , no Maranhão.

Veto imperial
O telegrama do diplomata americano no Brasil, Clifford Sobel, enviado aos EUA em fevereiro daquele ano, relata que os representantes ucranianos, através de sua embaixada no Brasil, fizeram gestões para que o governo americano revisse a posição de boicote ao uso de Alcântara para o lançamento de qualquer satélite fabricado nos EUA. A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que os EUA “não quer” nenhuma transferência de tecnologia espacial para o Brasil.

“Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”, diz um trecho do telegrama.

Em outra parte do documento, o representante americano é ainda mais explícito com Lokomov: “Embora os EUA estejam preparados para apoiar o projeto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”.

Guinada na política externa
O Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA (TSA) foi firmado em 2000 por Fernando Henrique Cardoso, mas foi rejeitado pelo Senado Brasileiro após a chegada de Lula ao Planalto e a guinada registrada na política externa brasileira, a mesma que muito contribuiu para enterrar a ALCA. Na sua rejeição o parlamento brasileiro considerou que seus termos constituíam uma “afronta à Soberania Nacional”. Pelo documento, o Brasil cederia áreas de Alcântara para uso exclusivo dos EUA sem permitir nenhum acesso de brasileiros. Além da ocupação da área e da proibição de qualquer engenheiro ou técnico brasileiro nas áreas de lançamento, o tratado previa inspeções americanas à base sem aviso prévio.

Os telegramas diplomáticos divulgados pelo Wikileaks falam do veto norte-americano ao desenvolvimento de tecnologia brasileira para foguetes, bem como indicam a cândida esperança mantida ainda pela Casa Branca, de que o TSA seja ,finalmente, implementado como pretendia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, não apenas a Casa Branca e o antigo mandatário esforçaram-se pela grave limitação do Programa Espacial Brasileiro, pois neste esforço algumas ONGs, normalmente financiadas por programas internacionais dirigidos por mentalidade colonizadora, atuaram para travar o indispensável salto tecnológico brasileiro para entrar no seleto e fechadíssimo clube dos países com capacidade para a exploração econômica do espaço sideral e para o lançamento de satélites. Junte-se a eles, a mídia nacional que não destacou a gravíssima confissão de sabotagem norte-americana contra o Brasil, provavelmente porque tal atitude contraria sua linha editorial historicamente refratária aos esforços nacionais para a conquista de independência tecnológica, em qualquer área que seja. Especialmente naquelas em que mais desagradam as metrópoles.

Bomba! Bomba!
O outro telegrama da diplomacia norte-americana divulgado pelo Wikileaks recentemente e que também revela intenções de veto e ações contra o desenvolvimento tecnológico brasileiro veio a tona de forma torta pela Revista Veja, e fala da preocupação gringa sobre o trabalho de um físico brasileiro, o cearense Dalton Girão Barroso, do Instituto Militar de Engenharia, do Exército. Giráo publicou um livro com simulações por ele mesmo desenvolvidas, que teriam decifrado os mecanismos da mais potente bomba nuclear dos EUA, a W87, cuja tecnologia é guardada a 7 chaves.

A primeira suspeita revelada nos telegramas diplomáticos era de espionagem. E também, face à precisão dos cálculos de Girão, de que haveria no Brasil um programa nuclear secreto, contrariando, segundo a ótica dos EUA, endossada pela revista, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, firmado pelo Brasil em 1998, Tal como o Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA, sobre o uso da Base de Alcântara, o TNP foi firmado por Fernando Henrique. Baseado apenas em uma imperial desconfiança de que as fórmulas usadas pelo cientista brasileiro poderiam ser utilizadas por terroristas , os EUA, pressionaram a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que exigiu explicações do governo Brasil , chegando mesmo a propor o recolhimento-censura do livro “A física dos explosivos nucleares”. Exigência considerada pelas autoridades militares brasileiras como “intromissão indevida da AIEA em atividades acadêmicas de uma instituição subordinada ao Exército Brasileiro”.

Como é conhecido, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, vocalizando posição do setor militar contrária a ingerências indevidas, opõe-se a assinatura do protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que daria à AIEA, controlada pelas potências nucleares, o direito de acesso irrestrito às instalações nucleares brasileiras. Acesso que não permitem às suas próprias instalações, mesmo sendo claro o descumprimento, há anos, de uma meta central do TNP, que não determina apenas a não proliferação, mas também o desarmamento nuclear dos países que estão armados, o que não está ocorrendo.

Desarmamento unilateral
A revista publica providencial declaração do físico José Goldemberg, obviamente, em sustentação à sua linha editorial de desarmamento unilateral e de renúncia ao desenvolvimento tecnológico nuclear soberano, tal como vem sendo alcançado por outros países, entre eles Israel, jamais alvo de sanções por parte da AIEA ou da ONU, como se faz contra o Irã. Segundo Goldemberg, que já foi secretário de ciência e tecnologia, é quase impossível que o Brasil não tenha em andamento algum projeto que poderia ser facilmente direcionado para a produção de uma bomba atômica. Tudo o que os EUA querem ouvir para reforçar a linha de vetos e constrangimentos tecnológicos ao Brasil, como mostram os telegramas divulgados pelo Wikileaks. Por outro lado, tudo o que os EUA querem esconder do mundo é a proposta que Mahmud Ajmadinejad , presidente do Irà, apresentou à Assembléia Geral da ONU, para que fosse levada a debate e implementação: “Energia nuclear para todos, armas nucleares para ninguém”. Até agora, rigorosamente sonegada à opinião pública mundial.

Intervencionismo crescente
O semanário também publica franca e reveladora declaração do ex-presidente Cardoso : “Não havendo inimigos externos nuclearizados, nem o Brasil pretendendo assumir uma política regional belicosa, para que a bomba?” Com o tesouro energético que possui no fundo do mar, ou na biodiversidade, com os minerais estratégicos abundantes que possui no subsolo e diante do crescimento dos orçamentos bélicos das grandes potências, seguido do intervencionismo imperial em várias partes do mundo, desconhecendo leis ou fronteiras, a declaração do ex-presidente é, digamos, de um candura formidável.

São conhecidas as sintonias entre a política externa da década anterior e a linha editorial da grande mídia em sustentação às diretrizes emanadas pela Casa Branca. Por isso esses pólos midiáticos do unilateralismo em processo de desencanto e crise se encontram tão embaraçados diante da nova política externa brasileira que adquire, a cada dia, forte dose de justeza e razoabilidade quanto mais telegramas da diplomacia imperial como os acima mencionados são divulgados pelo Wikilieks.

(*) Beto Almeida é jornalista

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

“a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”

Da Carta Maior

Atualidade do projeto democrático-participativo

O significado do projeto democrático-participativo acha-se na máxima marxista de que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Os avanços conquistados, sob o impulso de governos de esquerda na AL e no Brasil, são o resultado da introdução da participação social no aparato institucional da sociedade política.
A política não é predicado dos detentores de mandato eletivo. Para vastas camadas da população, a política é o ponto de convergência em que “a organização, a conscientização sobre os objetivos da luta e a própria luta não são fases distintas no tempo... mas aspectos diversos de um único e mesmo processo”, como sublinhou Rosa Luxemburgo (Problemas organizativos da socialdemocracia russa, 1904). Marx (Teses sobre Feuerbach,1845), em um texto tido por berço da concepção socialista, já apontara nessa direção ao transcender a contradição entre os idealistas alemães, para os quais a promoção de uma nova consciência nos indivíduos conduziria a uma nova sociedade, e os materialistas franceses, para os quais seria preciso mudar as circunstâncias para que os indivíduos se modificassem. “A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora” (III Tese).

Fundamental é a “práxis”.O ato de participação constrói a pertença identitária dos trabalhadores conduzindo, da consciência “latente” (classe “em si”), à consciência “prático-ativa” (classe “para si”). O projeto democrático-participativo, responsável pelas mudanças em curso na América Latina, com nuances e ritmos de acordo com a realidade local, é expressão de uma visão de mundo que tem como vértice a participação social. No Brasil, esse processo galvaniza multidões em diferentes escalas, por todos os quadrantes, do pampa ao semi-árido, das metrópoles às zonas rurais, com um notável incremento da vida associativa e sociocomunitária. Dados do IBGE, frise-se, informam que aumentou o número de municípios com conselhos de vários tipos e se multiplicaram as conferências nas unidades federadas, nos últimos anos. Prova inequívoca de que o governo do ex-retirante nordestino, Lula da Silva, legou uma consciência prático-ativa ao povo brasileiro.

Se o protagonismo popular continuar a inspirar a elaboração de políticas públicas democráticas, por via do choque dialético dos fluxos comunicativos/participativos com os mecanismos deliberativos formais, um padrão de representação política híbrida se firmará no horizonte. O que as elites tradicionais temem é o efeito demonstrativo sobre os demais países latino-americanos. As Conferências Nacionais têm ajudado a formatar programas e leis abrangentes, mostrando que é possível aprimorar a democracia representativa com a criação de canais institucionais para o exercício da democracia participativa. Esses “espaços públicos estatais” traduzem o acúmulo de conhecimento dos movimentos sociais, em diferentes áreas de intervenção, e se pautam por um republicanismo militante que serve de paradigma à reestruturação do Estado também na Bolívia, no Equador e na Venezuela: contextos de alta conflitividade. Consentâneo a canção, “nada será como antes, amanhã”.

Sob esse aspecto, a 1° Conferência Nacional sobre Transparência e Participação Social, organizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) e convocada, por decreto presidencial, para outubro do corrente com o tema “A sociedade no acompanhamento da gestão pública” apresenta-se como uma espécie de “PAC da participação social”. Para a rede da Associação Brasileira Contra a Corrupção e a Impunidade (ABRACCI), trata-se de um momento importante para o fortalecimento do controle social no combate aos malfeitos e à leniência na apuração das faltas. Vale salientar que a estréia da 1° Consocial será precedida por conferências municipais, regionais, estaduais e distritais, de onde sairão os delegados, representantes da sociedade e da administração pública em todos os níveis federativos. Toma forma a Revolução Democrática, aspiração dos oprimidos através dos séculos.

Meios procedimentais condicionam os fins

Para Marcio Pochmann (O Estado e seus desafios na construção do desenvolvimento brasileiro, 2010), a refundação estatal no Brasil reclama três eixos estruturantes: a) uma reorganização administrativa e institucional que estimule a integração setorial de políticas públicas a partir de matrizes comuns; b) uma ampliação das políticas distributivas, de repartição da renda, para as redistributivas, de expansão da progressividade do fundo público sobre os rendimentos do capital (lucro, juros, aluguel e renda de terras) e; c) uma reinvenção do mercado, centrada nos micro e pequenos negócios, com políticas de reconfiguração do compósito por intermédio de bancos públicos de financiamento da produção e comercialização, difusão tecnológica, assistência técnica, etc. Não passaram-lhe desapercebidas “as exigências de transparência e crescente participação social”.

Em concordância com a agenda de prioridades arroladas pelo coordenador do Ipea, no entanto, deve-se acrescer ao feixe capaz de vertebrar o Estado de bem-estar social que ganha contornos, a democracia participativa. As demais balizas serão implementadas apenas se houver avanços na socialização do poder político. Eis aí a diferença da “socialdemocracia do Sul” com a “socialdemocracia do Norte”. Lá, a socialização de bens materiais viabilizou-se sem a necessidade de uma oxigenação da política. Aqui, os meios procedimentais condicionam organicamente os fins. São as experiências participativas que mantêm acesa a expectativa de democratização e universalização das políticas públicas e direitos sociais, desde o fim do ciclo militar-ditatorial. Entre nós, soa com maior dramaticidade a assertiva do sociólogo espanhol Manuel Castells (O poder da identidade, 1999) de que “a democracia política... transformou-se num vazio”. Sim, de valores morais. A sensação é generalizada no país, por doloroso que seja dizê-lo justo no início (1° de fevereiro) da próxima legislatura.

As frustrações remetem sobremaneira ao lapso temporal hegemonizado por governantes fiéis ao Consenso de Washington, adeptos dos ajustes fiscais anti-sociais, desregulamentações, privatizações e alinhamentos submissos na órbita internacional. A consequência foi uma onda de desindustrialização e brutal desemprego, sob o tacão do FMI e do Banco Mundial. Em nome do livre-comércio, os povos da região foram condenados à miséria e ao desamparo. Na Argentina, em 2004, para se ter ideia, 56,4% dos menores de 18 anos eram pobres (quase 8 milhões) e 23,6% eram indigentes (mais de 3 milhões), segundo levantamento do órgão oficial encarregado das estatísticas e censos (Indec). Esse templo de misérias foi edificado pelo culto ao deus-mercado, com um altar para as Bolsas de Valores.

Para enfrentar os efeitos da crise econômica, surgiram os “movimientos piqueteros”, as “asambleas barriales” e os movimentos de trabalhadores autogestionários das empresas recuperadas, que culminaram na condenação dos políticos eleitos com uma consigna de varredura geral: “que se vayam todos”. Tecia-se a resistência após o dilúvio menemista, com epicentro na Casa Rosada. À época, certas noções (direitos, proteção social) estavam proscritas do discurso público. Descentralização, no dicionário da ideologia dominante, significava desmonte do Estado social burocrático, centralizador e ineficaz. No Continente, ainda não despontavam as “juntas de vecinos”e as “controlatorías ciudadanas”(Assunção)ou o “presupuesto participativo”(Rosário)e outros formatos organizacionais criativos que colocariam na ofensiva os atores sociopolíticos adversários do projeto neoliberal.

Participação e responsabilidade cívica

No Brasil, as dificuldades são agravadas graças à naturalização por longa data das desigualdades sociais, entulho que remonta ao prelúdio colonial e escravagista. “Ao contrário da Argentina e do Uruguai, não temos um passado melhor, com direitos sociais garantidos a uma ampla parcela da sociedade e a experiência de uma nação em que todos são cidadãos”, assinalou a propósito a pesquisadora do Instituto Pólis, Maria do Carmo Alves de Albuquerque (Participação e controle da sociedade sobre políticas sociais no Cone Sul, 2007). O que não impediu uma acentuada inflexão protagônica da sociedade civil no pós-ditadura, espalhando pelo território Conselhos Paritários de participação em políticas setoriais e Orçamentos Participativos, com mais de 200 OPs contabilizados até 2005. Como na frase de Goethe: “No começo de tudo não se encontra o Verbo, mas a Ação!”

Na origem das boas políticas públicas fervilha a interação dialógica dos movimentos sociais com entidades profissionais e acadêmicas. Aconteceu no estágio preliminar da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (2006), preparada no respectivo conselho (Consea). Idem, no que concerne à Reforma Urbana que redundou na aprovação do Estatuto da Cidade (2001) , na criação do Ministério das Cidades (2003), no Plano Nacional de Habitação e no Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (2004). Registre-se, no ínterim, as Conferências das Cidades realizadas em 3.400 municípios e a Conferência Nacional das Cidades, que alinhavou diretrizes políticas e derivou o Conselho Nacional das Cidades. Essas conquistas ilustram um produtivo intercâmbio intelecto-político.

No sumário interativo/participacionista, destaque-se igualmente os movimentos pela moradia com metas para faixas de baixa renda, contempladas no programa federal Minha Casa, Minha Vida (2009). E, para que não transite a impressão laudatória de que, se a roda da história não foi inventada, ao menos foi movida por um metalúrgico de São Bernardo do Campo, o que poderia suscitar ciúmes em algum sociólogo, convém rememorar os movimentos empenhados na formulação de políticas de direitos que, na esteira da promulgação da Constituição (1988), teceram o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). O eco das mobilizações sociais da década de 80 reverberou no documento de apresentação do Ministério da Saúde, ao expor o objetivo do ECA: “garantir a todas as crianças e adolescentes o tratamento com atenção, proteção e cuidados especiais para se desenvolverem e tornarem adultos conscientes e participativos do processo inclusivo”.

A evocação final para a formação de “adultos conscientes e participativos do processo inclusivo”, limitada pela extemporaneidade da comparação, lembra a famosa Oração fúnebre aos gregos mortos na guerra de Peloponeso, na qual o líder da democracia ateniense, o estratego-general Péricles (495-429 a.C.), depois de louvar os princípios de conduta, os valores morais dos membros da antiga Cidade-Estado e o regime de governo vigente em Atenas faz uma exortação aos seus concidadãos para que intervenham nos assuntos públicos, escarnecendo da apatia política individual: “Olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida somente de interesses particulares, mas como um inútil”. Sublinhava o binômio participação e responsabilidade cívica, a síntese do projeto democrático-participativo revigorada com a eleição da presidenta Dilma Rousseff.

Hegemonia: Estado mais sociedade civil

Na era demotucana, depositaram-se todas as virtudes e disposições à liberdade na sociedade civil; todos os vícios e propensões à dominação no Estado. Reproduziu-se o cacoete (clássico/neo) liberal. Com tal pano de fundo, virou moda jogar confetes ao “espaço público não estatal”, terminologia que não escondia a diabolização relativa a tudo que espargisse o mau cheiro do “estatismo”. A ginástica conceitual, que visava fazer uma distinção - quanta imaginação! - entre o Estado perseguido pelo governo FHC e o Estado mínimo defendido pelo núcleo duro do neoliberalismo, teve contorcionismos sofisticados na pena do ex-ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado. Para tanto, Luiz Carlos Bresser-Pereira (Entre o Estado e o mercado: o público não estatal, 1999) converteu a sociedade civil em sinônimo de mercado e inseriu, entre este e o Estado, o espaço público, como reza o título acima. Travestido e tergiversado, o ágil coelho saía da cartola.

No “espaço público não estatal” coexistiriam dois elementos: o produtivo (o “terceiro setor”, “setor sem fins lucrativos”) e o controle social (“organizações sociais” que se caracterizariam por não utilizarem servidores públicos). Sem uma dimensão estatal, esse seria também o terrenoda democracia participativa ou direta. É fácil explicar porque as Conferências Nacionais não deslancharam, o mercado não tem nenhuma vocação para a democracia. Como um profeta azarado, arrematava o douto que “a Reforma do Estado que está ocorrendo nos anos 90, deverá conduzir a um Estado fortalecido, com as finanças recuperadas e, com a administração obedecendo a critérios gerenciais de eficiência” (sic).

“Au contraire, au contraire”. O saldo foi catastrófico. O cotejo impõe-se. Em 2002, as reservas do Tesouro Nacional eram de 185 bilhões de dólares negativos (atualmente, 250 bilhões de dólares positivos), a taxa de juros Selic batia em 27% (atualmente 11,25%), o salário mínimo patinava em 78 dólares (atualmente, 334 dólares) o desemprego atingia 12% da população ativa (atualmente, 6,7%), 90% das estradas estavam danificadas (atualmente, 80% regularizadas), havia apagões energéticos (atualmente, luz para todos), a educação fora sucateada (atualmente, 10 novas universidades públicas, 214 novas escolas técnicas), e segue por diante o baile. Não à toa, o interstício exterminador foi jogado no esquecimento pela direita, que nunca pleiteou a herança perversa nas campanhas eleitorais subsequentes.

Em lugar de distanciar-se, as vertentes civilizatórias da sociedade civil devem aproximar-se do Estado, qualificar os canais de participação existentes e potencializar o aparecimento de outros arranjos institucionais, resguardando a sua autonomia organizativa e o seu metabolismo interno para tomada de decisões. Para os movimentos sociais, isso implica na possibilidade de exprimirem-se com uma feição menos reivindicativa e mais propositiva, alçando-se a um patamar superior de apreensão teórica e política dos problemas para disputar a hegemonia no âmbito do Estado. Este, compreendido em sentido “integral” ou “ampliado”, conforme o constructo gramsciano, abarcando a sociedade civil. Para as ONGs, que condensam um patrimônio simbólico expressivo e influente no tabuleiro político, implica o alargamento do campo de atuação e acesso a recursos públicos que contribuiriam para equacionar a crise de financiamento que afeta-as desde que minguaram os aportes oriundos de parcerias internacionais. O ponto pendente concerne ao marco legal e ético que regulará essas relações para que não pairem dúvidas interessadas sobre as mesmas.

Passaporte para a utopia socialista

Mais que uma resposta à crise de representação política do parlamento burguês ou à crise das narrativas revolucionárias épicas, nos moldes da queda da Bastilha (França), da ocupação do Palácio de Inverno (Rússia) ou da descida de Sierra Maestra (Cuba), o significado do projeto democrático-participativo acha-se na máxima marxista de que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Os avanços conquistados, sob o impulso de governos de esquerda na AL e no Brasil, são o resultado da introdução da participação social no aparato institucional da sociedade política. A sociedade civil, assim, ao invés de assumir um papel de oposição ao Estado, como prescreve o receituário conservador, concorre para a democratização radical de suas estruturas, convertidas em caixas estatais de ressonância da vontade popular. Naquelas, constroem-se a igualdade republicana, o reconhecimento das diferenças e a legitimidade de direitos. Essa promissora conjunção política, hoje, é o que carimba o passaporte para a utopia socialista.

Luiz Marques é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Transformar o século 21 em século da América Latina"





"Transformar o século 21 em século da América Latina"

Em sua primeira viagem ao exterior, a presidenta brasileira Dilma Rousseff defendeu, ao lado da presidenta da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, o aprofundamento das relações entre os dois países, condição, segundo ela, para "transformar o século 21 em século da América Latina". Em Buenos Aires, Dilma Rousseff encontrou-se com um grupo de Avós da Praça de Maio. Os governos dos dois países assinaram um plano de ação conjunta para cooperação bilateral com objetivo de massificar o acesso à internet em banda larga até 2015, por meio da melhoria na qualidade de conexão e ampliação da disponibilidade do serviço.
Buenos Aires – Ao lado da presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, a presidenta brasileira, Dilma Rousseff, afirmou que fez questão de eleger o país vizinho como destino para a primeira viagem internacional por considerar que Brasil e Argentina são cruciais para transformar “o século 21 em século da América Latina”.

“E estou falando necessariamente em transformar os povos brasileiro e argentino e também os [demais] da América Latina”, disse Dilma hoje (31) em pronunciamento à imprensa, na Casa Rosada, sede do governo argentino.

O crescimento, aliado à inclusão social dos povos dos países latino-americanos, marcou o discurso das presidentas. Dilma disse se sentir em um momento especial na Argentina e afirmou que os dois países vão aprofundar vínculos para construir um mundo melhor na região.

Cristina Kirchner disse, por sua vez, que as duas mandatárias têm em comum a visão de que a inclusão social deve ter protagonismo na condução das políticas de Estado. “Nós duas achamos que o crescimento e a soberania de uma nação devem ter como protagonista a inclusão social. O crescimento econômico só é bom se atingir a todos por meio da educação, da moradia.”

As presidentas reafirmaram a proximidade entre Brasil e Argentina. Cristina Kirchner lembrou o caminho trilhado pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner (falecido no ano passado) para aprofundar as relações bilaterais. Agora, acrescentou, elas darão continuidade a essas ações.

“Eles constituíram um relacionamento diferente que deu frutos e deve ser aprofundado como falamos na reunião que tivemos a sós. Isso deve significar também o aprofundamento da integração produtiva entre Brasil e Argentina”, afirmou a presidenta argentina. Ao final do discurso, ela ressaltou que a união Brasil e Argentina será ainda maior.

Dilma afirmou que os acordos assinados entre os dois países, durante sua visita a Buenos Aires, reforçam os vínculos já existentes e que a cooperação vai beneficiar o Brasil e a Argentina. “Abrimos um caminho de cooperação para beneficiar as economias argentina e brasileira, a fim de criar uma integração de plataformas produtivas e de construir cada vez mais o bem-estar de nossos países.”

Acordo para massificar acesso à internet
Os governos do Brasil e da Argentina assinaram hoje (31), em Buenos Aires, um plano de ação conjunta para cooperação bilateral com objetivo de massificar o acesso à internet em banda larga até 2015 nos dois países, por meio da melhoria na qualidade de conexão e ampliação da disponibilidade do serviço.

O plano prevê a implantação de dutos para a passagem de cabos e fibra ótica entre os dois países, a integração das estatais de telecomunicações brasileira e argentina (Telebras e Arsat), a associação estratégica na produção de equipamentos e a troca de informações sobre programas e políticas na área industrial que ampliem o acesso a equipamentos.

Os dois países também devem desenvolver em conjunto conteúdos digitais e interativos e trabalhar em parceria para definir mecanismos de financiamento e acesso a crédito para projetos estratégicos na área sejam públicos ou privados.

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que integra a comitiva presidencial que está na Argentina, destacou que o acordo garante o desenvolvimento integrado de políticas na área do acesso à internet e a novas tecnologias.

Também foi estabelecida a intenção de criar um Conselho de Alto Nível, que será integrado, do lado brasileiro, pelo Ministério das Comunicações e do lado argentino, pelo Ministério do Planejamento Federal, Investimento Público e Serviços e pela Comissão de Planejamento e Coordenação Estratégica do Plano Nacional de Telecomunicações Argentina Conectada.


Fotos: Telam/ABr

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

"Esta é uma revolução pelo Twitter e pelo Facebook"

Da




Esta é uma revolução pelo Twitter e pelo Facebook e há muito que a tecnologia derrubou as normas caducas da censura. Os homens de Mubarak parece terem perdido toda iniciativa. Os jornais de seu partido estão cheios de autoengano: jogam as notas sobre as manifestações para os pés da primeira página, como se com isso fossem tirar as multidões das ruas; como se, de fato, pelo apequenamento das notas os protestos jamais tivessem ocorrido. O artigo é de Robert Fisk.
Cairo – Dia de oração ou de fúria? Todo o Egito esperava o sabbath muçulmano – para não mencionar os terríveis aliados do Cairo – enquanto o presidente ancião do país se aferra ao poder, depois de noites de violência que sacudiram a fé estadunidense na estabilidade do regime.

Até agora morreram 5 homens durante os distúrbios e quase outros mil foram encarcerados. A polícia golpeou mulheres e pela primeira vez um escritório do partido governante, o Partido Nacional Democrático foi incendiado. Os rumores são aqui tão perigosos como gás lacrimogênio. Um jornal do Cairo disse que um dos principais conselheiros de Hosni Mubarak voltou de Londres com 97 maletas repletas de dinheiro, mas outros repórteres falam de um presidente furioso, que grita para o alto comando das polícias, porque não trataram com mais severidade os manifestantes.

Mohamed el Baradei, prêmio Nobel e ex-funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) voltou sexta-feira ao Egito, mas ninguém acredita – salvo talvez os estadunidenses – que possa concentrar em torno de si os movimentos de protesto que surgiram em todo o país.

Já há sinais de que quem está farto do regime corrupto e antidemocrático de Mubarak estão convencendo os policiais mal pagos que patrulham o Cairo a se unirem a eles. Irmãos! Quanto lhes pagam? Uma multidão começou a gritar aos policiais da capital. Mas ninguém negocia: não há nada a negociar, exceto a partida de Mubarak para o exílio; e o governo egípcio não diz nem faz nada, que é mais ou menos o que vinha fazendo durante as três décadas passadas.

As pessoas falam de revolução, mas não há quem substitua os homens de Mubarak – que jamais tinha designado um vice-presidente -, e um jornalista egípcio me disse na sexta passada que tinha encontrado alguns amigos que lamentavam pelo presidente isolado e solitário. Mubarak tem 82 anos de idade e ainda assim insinuou que postulará de novo a presidência, para indignação de milhões de egípcios.

A verdade nua e horrível, no entanto, é que, salvo por sua polícia brutal e seu exército execravelmente dócil – o qual, por certo, não vê Gamal, o filho de Mubarak, com agrado -, o governo carece de poder. Esta é uma revolução pelo Twitter e pelo Facebook e há muito que a tecnologia derrubou as normas caducas da censura.

Os homens de Mubarak parece terem perdido toda iniciativa. Os jornais de seu partido estão cheios de autoengano: jogam as notas sobre as manifestações para os pés da primeira página, como se com isso fossem tirar as multidões das ruas; como se, de fato, pelo apequenamento das notas os protestos jamais tivessem ocorrido.

Mas não se precisa ler os jornais para saber o que se tem falado. A sujeira e as cidades perdidas, confusas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de todo funcionário público, as prisões superlotadas, as eleições risíveis, todo o vasto e esclerosado edifício do poder levou, por fim, os egípcios às ruas.
Amr Moussa, chefe da Liga Árabe, apontou algo importante na recente reunião de cúpula dos países árabes, no centro turístico egípcio de Sharm el Sheikh: Túnis não está longe de nós: os homens árabes estão destroçados.

Mas será verdade mesmo? Um velho amigo me contou uma história horrível de um egípcio pobre que afirmou não ter interesse em afastar os chefes corruptos de suas comunidades do deserto. Ao menos agora sabemos onde vivem, disse. Há mais de 80 milhões de pessoas no Egito, 30% delas são menores de 20 anos e já não tem medo.

Uma espécie de nacionalismo egípcio – mais que islamismo – faz-se sentir nas manifestações. O dia 25 de janeiro é o Dia Nacional da Polícia – para honrar a força que deu a vida combatendo as tropas britânicas em Ismailia -, e o governo reprimiu os manifestantes, dizendo que eles desonravam os mártires. Não, gritaram as multidões: esses policiais que morreram em Ismailia eram homens valentes; seus descendentes atuais, de uniforme, não nos representam.

O governo, no entanto, não é tonto. Há certa astúcia na liberação gradual da imprensa e da televisão nesta pseudodemocracia desengonçada. Deu aos egípcios apenas o ar suficiente para respirar, para mantê-los calados, para desfrutar sua docilidade nesta vasta terra laranja. Agricultores e não revolucionários, mas quando vários milhões invadiram as cidades, os bairros baixos e a casas em ruínas e as universidades, as quais lhes deram os títulos mas não empregos, alto teria de ocorrer.

“Estamos orgulhosos dos tunisianos: eles mostraram aos egípcios o que é ter orgulho – disse um colega egípcio, nesta sexta. Foram uma inspiração, mas aqui o regime foi mais rápido que o de Ben Ali, em Túnis. Passou um verniz de que tolera uma oposição, ao não prender toda a Irmandade Muçulmana e a dizer logo aos estadunidenses que o grande perigo é o islamismo, que Mubarak é o único que se interpõe entre eles e o “terror”...mensagem que Washington tem se disposto a escutar ao longo dos 10 anos passados.

Existem várias pistas de que as autoridades no Cairo se preveniram acerca do que se avizinhava. Vários egípcios me disseram que em 24 de fevereiro agentes de segurança descolariam imagens de Gamal Mubarak nos bairros baixos, por temor de que provocassem as multidões. Mas o grande número de detenções, os golpes da polícia – em homens e mulheres, igualmente – e o quase colapso do mercado egípcio de valores tem mais a marca do pânico do que a da astúcia.

E um dos problemas foi criado pelo próprio regime: o sistema se desfez de toda pessoa dotada de carisma; expulsou-as do país, e castrou politicamente qualquer oposição real, ao prender muitos dissidentes. Os estadunidenses e a União Europeia pedem que o regime escute o povo, mas que povo e quem são seus líderes? Não é um levante islâmico – embora possa chegar a sê-lo, mas, salvo a cantilena da participação da Irmandade Muçulmana nas manifestações, é apenas uma massa de egípcios asfixiada por décadas de fracasso e humilhação.

No entanto, tudo o que os estadunidenses parecem capazes de oferecer a Mubarak é uma sugestão de reformas, coisa que os egípcios já escutaram muitas vezes. Não é a primeira vez que a violência chegou às ruas do país. Em 1977 houve tumultos por comida – eu estava então no Cairo e havia muitas pessoas famintas e excitadas; o governo de Anuar Sadat conseguiu controlar as pessoas baixando os preços dos alimentos e aplicando prisões e tortura. Tem havido motins policiais que o próprio Mubarak tem reprimido. Mas isso é algo novo.

É interessante que não parece haver animosidade contra os estrangeiros. Muitos jornalistas foram protegidos pelas multidões e – apesar do deplorável apoio de Washington a ditadores do Oriente Médio – nem uma só bandeira dos EUA foi queimada. Isso mostra o que é novo. Talvez um povo tenha crescido... só para descobrir que seus governantes envelhecidos são todos crianças.

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 30 de janeiro de 2011

Internet vs. televisão vs. redes sociais

Do  


Internet vs. televisão vs. redes sociais
Por Pedro de Oliveira em 25/1/2011
Gradualmente, a internet vai se equiparando à televisão como a principal fonte de informação nacional e internacional do público norte-americano. Em uma pesquisa conduzida pelo Pew Research Center for the People and the Press – realizada de 1º a 5 de dezembro do ano passado com 1.500 pessoas – cerca de 41% dos pesquisados declaram ser a internet a fonte prim ária de notícias nacionais e internacionais, o que em relação ao ano de 2007 significava apenas 17%.
A televisão continua sendo ainda a referência principal de notícias para 66% dos norte-americanos, índice que por sua vez significava 74% há três anos e 82% em 2002. Esta mesma pesquisa constatou que a maioria das pessoas busca informações sobre notícias mais pela internet do que pelos jornais impressos como sua principal fonte de referência. Este dado mostra a contínua curva de crescimento da internet e a queda constante da leitura de jornais: o índice de leitura era de 34% em 2007 e é de apenas 31% atualmente. Já a proporção do índice de ouvintes de notícias pelo rádio manteve-se relativamente estável. Este índice hoje é de 16% dos que procuram notícias nacionais e internacionais.
Pela primeira vez na série histórica desenvolvida pelo Pew – que é um instituto independente de pesquisa sobre a mídia –, em 2010 a internet superou a televisão como a principal fonte de informações nacionais e internacionais para as pessoas com menos de 30 anos de idade. Desde 2007, o índice de pessoas de 18 a 29 anos que citaram a internet como fonte principal de informações saltou de 34% para 65%, enquanto que no mesmo período o índice de jovens que citaram a televisão como fonte principal diminuiu de 68% para 52%.
Explosão das redes sociais Os estudantes universitários nesta pesquisa afirmam buscar como fonte principal de informações a internet, com o índice de 51%, enquanto os que procuram a televisão se situam em 54%. Os de nível secundário se colocam de outra forma: 51% citam a internet como fonte principal e 63%, a televisão. O extrato com educação mais inicial faz um bom contraste com os melhores escolarizados: 29% apenas buscam na internet as fontes principais de informação e a maioria de 75% procura a televisão em primeiro lugar.
No caso da televisão brasileira – num levantamento de outra pesquisa publicada pela Folha de S.Paulo em 6/01/2010 –, o SBT perdeu quase 50% do seu público de 2000 até 2010. Ou seja, caiu de 10,4 pontos de média no país para apenas 5,9 pontos, que foi a média do ano passado. A Rede Record cresceu 31% na década passada, pulando de 5,5 pontos para 7,2 pontos como média em 2010. Enquanto a Rede Globo, por sua vez, caiu 8,5% na década. Registrou, no ano de 2000, média de 19,9 pontos e 18,2 pontos em 2010. Ou seja, no ambiente brasileiro também se pode verificar o crescimento das redes mais voltadas para um público menos escolarizado, enquanto os programas mais sofisticados vão sendo consumidos cada vez mais pelos canais pagos e pela internet.
Se é verdade que as pesquisas detectam este gradual crescimento da internet em relação à televisão como fonte primária de informações, no caso das redes sociais o aumento é explosivo: a contagem de tweets aumentou de 5.000 por dia em 2007, para 90.000.000 (noventa milhões) diários em 2010. Somente o Facebook passou de 30 milhões de usuários em 2007 para mais de 500 milhões atualmente.
"A luta pelas liberdades políticas" Exatamente em função deste poder gigantesco que estas redes sociais foram adquirindo nos últimos anos é que o Departamento de Estado dos EUA, já sob a direção de Hillary Clinton, anunciou em janeiro de 2010 que o governo americano faria um grande investimento para o desenvolvimento de ferramentas desenhadas para reabrir o acesso à internet em países que restringem sua utilização. Este tipo de política teria como alvo impedir que Estados – como a República Popular da China – bloqueiem websites como o Google, YouTube ou o do New York Times.
Alguns programas foram criados com este objetivo, como o Freegate e o Haystack, mas acabaram não se tornando úteis para o objetivo dos norte-americanos, transformando-se, ao contrário, numa ferramenta a mais para impedir que as empresas dos EUA infiltrassem ideias e conceitos para combater o governo central na China. De fato, a questão das redes sociais tornou-se um problema de Estado cada vez mais importante para os interesses norte-americanos no mundo.
A capa da principal revista de relações internacionais dos EUA – Foreign Affairs – edição de janeiro/fevereiro de 2011, é dedicada ao tema sob o título "O poder político da mídia social". A tese principal do artigo é que os Estados Unidos perderam a guerra na tentativa de impedir outros países controlarem a rede social de mídia e que deveriam se voltar para "a luta pelas liberdades políticas nestas sociedades de forma geral", como se isso tivesse sido em algum momento um dos objetivos do governo americano através da história.

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