sábado, 5 de junho de 2010

Um título novo, pra um filme velho!

Vi o Mundo apresenta:

Os porões da privataria

De Amaury Ribeiro Jr.

Introdução

Quem recebeu e quem pagou propina. Quem enriqueceu na função pública. Quem usou o poder para jogar dinheiro público na ciranda da privataria. Quem obteve perdões escandalosos de bancos públicos. Quem assistiu os parentes movimentarem milhões em paraísos fiscais. Um livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhou nas mais importantes redações do País, tornando-se um especialista na investigação de crimes de lavagem do dinheiro, vai descrever os porões da privatização da era FHC. Seus personagens pensaram ou pilotaram o processo de venda das empresas estatais. Ou se aproveitaram do processo. Ribeiro Jr. promete mostrar, além disso, como ter parentes ou amigos no alto tucanato ajudou a construir fortunas. Entre as figuras de destaque da narrativa estão o ex-tesoureiro de campanhas de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Sérgio de Oliveira, o próprio Serra e três de seus parentes: a filha Verônica Serra, o genro Alexandre Bourgeois e o primo Gregório Marin Preciado. Todos eles, afirma, têm o que explicar ao Brasil.

Ribeiro Jr. vai detalhar, por exemplo, as ligações perigosas de José Serra com seu clã. A começar por seu primo Gregório Marin Preciado, casado com a prima do ex-governador Vicência Talan Marin. Além de primos, os dois foram sócios. O “Espanhol”, como Marin é conhecido, precisa explicar onde obteve US$3,2 milhões para depositar em contas de uma empresa vinculada a Ricardo Sérgio de Oliveira, homem-forte do Banco do Brasil durante as privatizações dos anos de 1990. E continuará relatando como funcionam as empresas offshores semeadas em paraísos fiscais do Caribe pela filha – e sócia — do ex-governador, Verônica Serra, e por seu genro, Alexandre Bourgeois. Como os dois tiram vantagem das suas operações, como seu dinheiro ingressa no Brasil…

Atrás da máxima “siga o dinheiro!”, Ribeiro Jr perseguiu o caminho de ida e volta dos valores movimentados por políticos e empresários entre o Brasil e os paraísos fiscais do Caribe, mais especificamente as Ilhas Virgens Britânicas, descoberta por Cristóvão Colombo em 1493 e por muitos brasileiros espertos depois disso. Nestas ilhas, uma empresa equivale a uma caixa postal, as contas bancárias ocultam o nome do titular e a população de pessoas jurídicas é maior do que a de pessoas de carne e osso. Não é por acaso que todo dinheiro de origem suspeita busca refúgio nos paraísos fiscais, onde também são purificados os recursos do narcotráfico, do contrabando, do tráfico de mulheres, do terrorismo e da corrupção.

A trajetória do empresário Gregório Marin Preciado, ex-sócio, doador de campanha e primo do candidato do PSDB à Presidência da República, mescla uma atuação no Brasil e no exterior. Ex-integrante do conselho de administração do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), então o banco público paulista, nomeado quando Serra era secretário de Planejamento do governo estadual, Preciado obteve uma redução de sua dívida no Banco do Brasil de R$448 milhões(1) para irrisórios R$4,1 milhões. Na época, Ricardo Sérgio de Oliveira era diretor da área internacional do BB e o todo-poderoso articulador das privatizações sob FHC. (Ricardo Sérgio é aquele do “estamos no limite da irresponsabilidade. Se der m…”, o momento Péricles de Atenas do Governo do Farol – PHA)

Ricardo Sérgio também ajudaria o primo de Serra, representante da Iberdrola, da Espanha, a montar o consórcio Guaraniana. Sob influência do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, mesmo sendo Preciado devedor milionário e relapso do BB, o banco também se juntaria ao Guaraniana para disputar e ganhar o leilão de três estatais do setor elétrico(2).

O que é mais inexplicável, segundo o autor, é que o primo de Serra, imerso em dívidas, tenha depositado US$3,2 milhões no exterior por meio da chamada conta Beacon Hill, no banco JP Morgan Chase, em Nova Iorque. É o que revelam documentos inéditos obtidos dos registros da própria Beacon Hill em poder de Ribeiro Jr. E mais importante ainda é que a bolada tenha beneficiado a Franton Interprises. Coincidentemente, a mesma empresa que recebeu depósitos do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, Ricardo Sérgio de Oliveira, de seu sócio Ronaldo de Souza e da empresa de ambos, a Consultatun. A Franton, segundo Ribeiro, pertence a Ricardo Sérgio.

A documentação da Beacon Hill levantada pelo repórter investigativo radiografa uma notável movimentação bancária nos Estados Unidos realizada pelo primo supostamente arruinado do ex-governador. Os comprovantes detalham que a dinheirama depositada pelo parente do candidato tucano à Presidência na Franton oscila de US$17 mil (3 de outubro de 2001) até US$375 mil (10 de outubro de 2002). Os lançamentos presentes na base de dados da Beacon Hill se referem a três anos. E indicam que Preciado lidou com enormes somas em dois anos eleitorais – 1998 e 2002 – e em outro pré-eleitoral – 2001. Seu período mais prolífico foi 2002, quando o primo disputou a Presidência contra Lula. A soma depositada bateu em US$1,5 milhão.

O maior depósito do endividado primo de Serra na Beacon Hill, porém, ocorreu em 25 de setembro de 2001. Foi quando destinou à offshore Rigler o montante de US$404 mil. A Rigler, aberta no Uruguai, outro paraíso fiscal, pertenceria ao doleiro carioca Dario Messer, figurinha fácil desse universo de transações subterrâneas. Na operação Sexta-Feira 13, da Polícia Federal, desfechada no ano passado, o Ministério Público Federal apontou Messer como um dos autores do ilusionismo financeiro que movimentou, por intermédio de contas no exterior, US$20 milhões derivados de fraudes praticadas por três empresários em licitações do Ministério da Saúde.

O esquema Beacon Hill enredou vários famosos, dentre eles o banqueiro Daniel Dantas. Investigada no Brasil e nos Estados Unidos, a Beacon Hill foi condenada pela justiça norte-americana, em 2004, por operar contra a lei.

Percorrendo os caminhos e descaminhos dos milhões extraídos do País para passear nos paraísos fiscais, Ribeiro Jr. constatou a prodigalidade com que o círculo mais íntimo dos cardeais tucanos abre empresas nestes édens financeiros sob as palmeiras e o sol do Caribe. Foi assim com Verônica Serra. Sócia do pai na ACP Análise da Conjuntura, firma que funcionava em São Paulo em imóvel de Gregório Preciado, Verônica começou instalando, na Flórida, a empresa Decidir.com.br, em sociedade com Verônica Dantas, irmã e sócia do banqueiro Daniel Dantas, que arrematou várias empresas nos leilões de privatização realizados na era FHC.

Financiada pelo Banco Opportunity, de Dantas, a empresa possui capital de US$5 milhões. Logo se transfere com o nome Decidir International Limited para o escritório do Ctco Building, em Road Town, ilha de Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas. A Decidir do Caribe consegue trazer todo o ervanário para o Brasil ao comprar R$10 milhões em ações da Decidir do Brasil.com.br, que funciona no escritório da própria Verônica Serra, vice-presidente da empresa. Como se percebe, todas as empresas têm o mesmo nome. É o que Ribeiro Jr. apelida de “empresas-camaleão”. No jogo de gato e rato com quem estiver interessado em saber, de fato, o que as empresas representam e praticam é preciso apagar as pegadas. É uma das dissimulações mais corriqueiras detectada na investigação.

Não é outro o estratagema seguido pelo marido de Verônica, o empresário Alexandre Bourgeois. O genro de Serra abre a Iconexa Inc no mesmo escritório do Ctco Building, nas Ilhas Virgens Britânicas, que interna dinheiro no Brasil ao investir R$7,5 milhões em ações da Superbird.com.br que depois muda de nome para Iconexa S.A. Cria também a Vex capital no Ctco Building, enquanto Verônica passa a movimentar a Oltec Management no mesmo paraíso fiscal. “São empresas-ônibus”, na expressão de Ribeiro Jr., ou seja, levam dinheiro de um lado para o outro.

De modo geral, as offshores cumprem o papel de justificar perante ao Banco Central e à Receita Federal a entrada de capital estrangeiro por meio da aquisição de cotas de outras empresas, geralmente de capital fechado, abertas no País. Muitas vezes, as offshores compram ações de empresas brasileiras em operações casadas na Bolsa de Valores. São frequentemente operações simuladas tendo como finalidade única internar dinheiro nas quais os procuradores dessas offshores acabam comprando ações de suas próprias empresas… Em outras ocasiões, a entrada de capital acontecia pelos sucessivos aumentos de capital da empresa brasileira pela sócia cotista no Caribe, maneira de obter do BC a autorização de aporte do capital no Brasil. Um emprego alternativo das offshores é usá-las para adquirir imóveis no País.

Depois de manusear centenas de documentos, Ribeiro Jr. observa que Ricardo Sérgio, o pivô das privatizações – que articulou os consórcios usando o dinheiro do BB e do fundo de previdência dos funcionários do banco, a Previ, “no limite da irresponsabilidade”, conforme foi gravado no famoso “Grampo do BNDES” –, foi o pioneiro nas aventuras caribenhas entre o alto tucanato. Abriu a trilha rumo às offshores e às contas sigilosas da América Central ainda nos anos de 1980. Fundou a offshore Andover, que depositaria dinheiro na Westchester, em São Paulo, que também lhe pertenci

Ribeiro Jr. promete outras revelações. Uma delas diz respeito a um dos maiores empresários brasileiros, suspeito de pagar propina durante o leilão das estatais, o que sempre desmentiu. Agora, porém, existe evidência, também obtida na conta Beacon Hill, do pagamento da US$410 mil por parte da empresa offshore Infinity Trading, pertencente ao empresário, à Franton Interprises, ligada a Ricardo Sérgio.

(1) A dívida de Preciado com o Banco do Brasil foi estimada em US$140 milhões, segundo declarou o próprio devedor. Esta quantia foi convertida em reais tendo-se como base a cotação cambial do período de aproximadamente R$3,2 por um dólar.

(2) As empresas arrematadas foram a Coelba, da Bahia, a Cosern, do Rio Grande do Norte, e a Celpe, de Pernambuco.

Leia mais: Conversa Afiada

Da Carta Maior: Quem representa perigo para a paz mundial?

Carta Maior


Quem representa perigo para a paz mundial?

Lula tinha afirmado que um país que possui armas nucleares não tem condições morais para exigir que outros não tenham. Da mesma forma que afirmou que a mediação dos EUA no conflito entre Israel e Palestina não tinha promovido a paz, porque os EUA possuem interesses diretamente vinculados a Israel, não possuindo credenciais para mediar o conflito com um mínimo de objetividade.

O acordo logrado com o Irã confirma esse critério. O Brasil e a Turquia, membros atuais do Conselho de Segurança, aderentes ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, países do Sul do mundo, puderam obter com o Irã o acordo que a Agência da ONU pede. No entanto, os EUA - tomados de surpresa, porque não acreditavam (e torciam para) que o acordo pudesse ser obtido, agora apelam para o argumento de que “Não acreditamos na palavra dele”, quando o que buscava era exatamente uma palavra e um esquema de apoio. Obtidos, inviabilizariam as sanções que os EUA querem impor.

A atitude dos EUA é a mesma que tiveram no ataque ao Iraque. Queriam provas de armamento de destruição em massa, não obtiveram, alegaram que sim, havia, com isso passaram por cima do Conselho de Segurança da ONU, junto com a Grã Bretanha atacaram e destruíram a mais antiga civilização da história (foram destruídos os lugares históricos e sagrados, mas protegidas as torres de petróleo – o objetivo real da ocupação).

Quem representa perigo para a paz mundial? O Irã, que talvez pudesse vir a construir armamento nuclear, mas que não ocupa nenhum outro país? Ou os EUA, único país na história que usou a bomba atômica – contra Hiroshima e Nagasaki -, possui um arsenal de todo tipo de armamento que representa a metade de todo o armamento existente no mundo? Que atualmente ocupam o Iraque e o Afeganistão, que tem uma história de invasões, ocupações, desembarques militares, amplamente conhecida?

Que desrespeitou o Conselho de Segurança da ONU e atacou o Iraque, apoiado em acusações que não se confirmaram? Que possui bases militares em mais de 10 países em todo o mundo? Ou Israel, que possui armamento nuclear, ameaça constantemente atacar o Irã e ocupa os territórios que devem, segundo a ONU, ser destinados ao Estado Palestino?

Postado por Emir Sader às 11:54

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Da Carta Maior: Cidadãos Europeus, Uni-vos!



















Carta Maior:




Cidadãos Europeus, Uni-vos!

A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os atores sociais estão perplexos e paralisados. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital ou o futuro é o fascismo. O artigo é de Boaventura de Sousa Santos

Boaventura de Sousa Santos


Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os atores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos.

Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista. Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de proteção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de
futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.

Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acúmulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a
Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos trabalhistas (facilitar demissões, reduzir indenizações). A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul.

A Europa está sendo vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da
devastação social. O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 bilhões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há
dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 bilhões para salvar o sistema financeiro europeu?

A luta de classes está voltando sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho. O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois fatos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele
será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia. A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.

Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.


Fotos: Bia Barbosa

quarta-feira, 2 de junho de 2010

"Eles não temem o ridículo"

Do Blog Cidadania, postado por Eduardo Guimarães:





" O excelente blog do Professor Hariovaldo já me fez rir muito – se você não conhece precisa conhecer; é um dos sites indicados por este blog, aí ao lado. Inclusive, eu mesmo, por duas vezes, já lhe servi de matéria-prima para seus divertidíssimos posts simulando o discurso reacionário. Mas a caricatura que o blogueiro gozador encarna não chega nem aos pés da caricatura viva e real de reacionário que é o blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo.

Vejam só que coisa maluca: o blogueiro Ricardo Kotscho escreveu um post interessante especulando sobre quem são os 5% que aparecem nas pesquisas considerando o governo Lula de péssimo para baixo. Estranhou que as ciências sociais ainda não tenham perscrutado esse universo de pessoas que, aconteça o que acontecer, aferram-se a um discurso que não encontra a menor ressonância nos fatos, de que está tudo uma droga no Brasil.

Os blogueiros da Globo Ricardo Noblat e da Veja Reinaldo Azevedo abordaram o post de Kotscho justamente porque entre seus leitorados devem estar 99% dos 5% que odeiam este governo e que acham que está tudo péssimo no país. No blog do Noblat, ficou para o leitorado dizer o que foi dito pelo próprio Azevedo em post, que o petista Kotscho estaria querendo “fichar” os 5% que não apóiam Lula para que o governo persiga essas pessoas (?!).

Em um país em que um jornal ligado à oposição publica ficha policial falsa de membros do governo na primeira página e chama o presidente da República de maníaco sexual e de cachaceiro; em um país em que uma revista semanal publica foto na capa em que o presidente da República aparece de costas com a marca de um pé no traseiro; em um país em que tudo isso não gera um só processo contra esses veículos como ocorreria em qualquer país democrático, será que dá para levar a sério suposição de que este governo pretenderia perseguir quem não o apóia?

Não tenho a mesma dúvida do Kotscho. Sei muito bem quem são e onde estão esses 5% que não apóiam Lula. Sou vizinho deles, no bairro paulistano do Paraíso. Aliás, convivo com boa parte desse setor da sociedade. Essas pessoas são, em média, de classe média alta, têm renda acima de dez salários mínimos e estão no Sul e no Sudeste. São Minoria entre os mais ricos e escolarizados, mas estão concentradas nesse segmento.

São pessoas que, na média – refiro-me à maioria relativa delas, é claro, jamais a todas –, são racistas, querem separar Sul ou Sudeste do resto do Brasil, chamam o Bolsa Família de “esmola”, não aceitam que negros cursem universidades, querem que o Brasil volte a fazer negócios só com a Europa e com os Estados Unidos… Enfim, que têm saudades do tempo em que consumo, oportunidades e esperança eram coisa de rico.

Mas tenho uma dúvida sobre os tais 5%. Como é que pode um contingente de brasileiros desprezível percentualmente, mas que é rico, influente e escolarizado – apesar da ignorância – não ter absolutamente nenhum medo do ridículo? Como é que pode gente que sempre apoiou violência contra adversários políticos tais como tortura, estupro e assassinatos, ter coragem de acusar suas vítimas?


O excelente blog do Professor Hariovaldo já me fez rir muito – se você não conhece precisa conhecer; é um dos sites indicados por este blog, aí ao lado. Inclusive, eu mesmo, por duas vezes, já lhe servi de matéria-prima para seus divertidíssimos posts simulando o discurso reacionário. Mas a caricatura que o blogueiro gozador encarna não chega nem aos pés da caricatura viva e real de reacionário que é o blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo.

Vejam só que coisa maluca: o blogueiro Ricardo Kotscho escreveu um post interessante especulando sobre quem são os 5% que aparecem nas pesquisas considerando o governo Lula de péssimo para baixo. Estranhou que as ciências sociais ainda não tenham perscrutado esse universo de pessoas que, aconteça o que acontecer, aferram-se a um discurso que não encontra a menor ressonância nos fatos, de que está tudo uma droga no Brasil.

Os blogueiros da Globo Ricardo Noblat e da Veja Reinaldo Azevedo abordaram o post de Kotscho justamente porque entre seus leitorados devem estar 99% dos 5% que odeiam este governo e que acham que está tudo péssimo no país. No blog do Noblat, ficou para o leitorado dizer o que foi dito pelo próprio Azevedo em post, que o petista Kotscho estaria querendo “fichar” os 5% que não apóiam Lula para que o governo persiga essas pessoas (?!).

Em um país em que um jornal ligado à oposição publica ficha policial falsa de membros do governo na primeira página e chama o presidente da República de maníaco sexual e de cachaceiro; em um país em que uma revista semanal publica foto na capa em que o presidente da República aparece de costas com a marca de um pé no traseiro; em um país em que tudo isso não gera um só processo contra esses veículos como ocorreria em qualquer país democrático, será que dá para levar a sério suposição de que este governo pretenderia perseguir quem não o apóia?

Não tenho a mesma dúvida do Kotscho. Sei muito bem quem são e onde estão esses 5% que não apóiam Lula. Sou vizinho deles, no bairro paulistano do Paraíso. Aliás, convivo com boa parte desse setor da sociedade. Essas pessoas são, em média, de classe média alta, têm renda acima de dez salários mínimos e estão no Sul e no Sudeste. São Minoria entre os mais ricos e escolarizados, mas estão concentradas nesse segmento.

São pessoas que, na média – refiro-me à maioria relativa delas, é claro, jamais a todas –, são racistas, querem separar Sul ou Sudeste do resto do Brasil, chamam o Bolsa Família de “esmola”, não aceitam que negros cursem universidades, querem que o Brasil volte a fazer negócios só com a Europa e com os Estados Unidos… Enfim, que têm saudades do tempo em que consumo, oportunidades e esperança eram coisa de rico.

Mas tenho uma dúvida sobre os tais 5%. Como é que pode um contingente de brasileiros desprezível percentualmente, mas que é rico, influente e escolarizado – apesar da ignorância – não ter absolutamente nenhum medo do ridículo? Como é que pode gente que sempre apoiou violência contra adversários políticos tais como tortura, estupro e assassinatos, ter coragem de acusar suas vítimas? "

Eduardo Guimarães - Comerciante, blogueiro e ativista político.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Crise ecológica, capitalismo, altermundialismo:um ponto de vista ecossocialista

Da Carta Maior - Meio Ambiente:


Os ecologistas se enganam se crêem poder abrir mão da crítica de Marx ao capitalismo: uma ecologia que não leve em conta a relação entre “produtivismo” e lógica do lucro está destinada ao fracasso – ou pior, à sua recuperação pelo sistema. Os exemplos não faltam... A ausência de uma postura anticapitalista coerente levou a maior parte dos partidos verde europeus – França, Alemanha, Itália, Bélgica – a tornar-se simples parceiro “ecoreformista” da gestão social-liberal do capitalismo pelos governos de centro-esquerda. O artigo é de Michael Löwy e integra o n° 14 da revista Margem Esquerda.

Michael Löwy

Apresentação e sumário da revista Margem Esquerda, n° 14.

Grandezas e limites da ecologia
A grande contribuição da ecologia foi e continua sendo nos fazer tomar consciência dos perigos que ameaçam o planeta como consequência do atual modelo de produção e consumo. O crescimento exponencial das agressões ao meio ambiente e a ameaça crescente de uma ruptura do equilíbrio ecológico configuram um quadro catastrófico que coloca em questão a própria sobrevivência da vida humana. Estamos diante de uma crise de civilização que exige mudanças radicais.

Os ecologistas se enganam se crêem poder abrir mão da crítica marxiana do capitalismo: uma ecologia que não leve em conta a relação entre “produtivismo” e lógica do lucro está destinada ao fracasso – ou pior, à sua recuperação pelo sistema. Os exemplos não faltam... A ausência de uma postura anticapitalista coerente levou a maior parte dos partidos verde europeus – França, Alemanha, Itália, Bélgica – a tornar-se simples parceiro “ecoreformista” da gestão social-liberal do capitalismo pelos governos de centro-esquerda.

Considerando os trabalhadores irremediavelmente destinados ao produtivismo, alguns ecologistas ignoram/descartam o movimento operário e inscrevem em suas bandeiras: “nem esquerda, nem direita”.

Ex-marxistas convertidos à ecologia declaram apressadamente “adeus à classe operária” (André Gorz), enquanto outros autores (Alain Lipietz) insistem na necessidade de abandonar o “vermelho” – isto é, o marxismo ou o socialismo – para aderir ao “verde”, novo paradigma que trará uma resposta a todos os problemas econômicos e sociais.

O ecossocialismo
O que é então o ecossocialismo? Trata-se de uma corrente de pensamento e ação ecológicos que toma como suas as aquisições fundamentais do marxismo – ao mesmo tempo que se livra de seus entulhos produtivistas.

Para os ecossocialistas a lógica do mercado e do lucro – bem como aquela do defunto do autoritarismo burocrático, o “socialismo real” – são incompatíveis com as exigências de preservação do meio ambiente. Ao mesmo tempo que criticam a ideologia das correntes dominantes do movimento operário, eles sabem que os trabalhadores e suas organizações são uma força essencial para uma transformação radical do sistema e para a construção de uma nova sociedade socialista e ecológica.

Essa corrente está longe de ser politicamente homogênea, mas a maior parte de seus representantes compartilha alguns temas. Rompendo com a ideologia produtivista do progresso – em sua forma capitalista e/ou burocrática – e oposta à expansão ao infinito de um modo de produção e consumo destruidor da natureza, o ecossocialismo representa uma tentativa original de articular as ideias fundamentais do socialismo marxista com as contribuições da crítica ecológica.

O raciocínio ecossocialista se apoia em dois argumentos essenciais:

1) o modo de produção e consumo atual dos países capitalistas avançados, fundado sobre uma lógica de acumulação ilimitada (do capital, dos lucros, das mercadorias), desperdício de recursos, consumo ostentatório e destruição acelerada do meio ambiente, não pode de forma alguma ser estendido para o conjunto do planeta, sob pena de uma crise ecológica maior. Segundo cálculos recentes, se o consumo médio de energia dos EUA fosse generalizado para o conjunto da população mundial, as reservas conhecidas de petróleo seriam esgotadas em 19 dias. Esse sistema está, portanto, necessariamente fundado na manutenção e agravamento da desigualdade entre o Norte e o Sul;

2) de qualquer maneira, a continuidade do “progresso” capitalista e a expansão da civilização fundada na economia de mercado – até mesmo sob esta forma brutalmente desigual – ameaça diretamente, a médio prazo (toda previsão seria arriscada), a própria sobrevivência da espécie humana, em especial por causa das consequências catastróficas da mudança climática.

A racionalidade limitada do mercado capitalista, com seu cálculo imediatista das perdas e lucros, é intrinsecamente contraditória com uma racionalidade ecológica, que leve em conta a temporalidade longa dos ciclos naturais.

Não se trata de opor os “maus” capitalistas ecocidas aos “bons” capitalistas verdes: é o próprio sistema, fundado na competição impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida pelo lucro rápido, que é destruidor dos equilíbrios naturais. O pretenso capitalismo verde não passa de uma manobra publicitária, uma etiqueta buscando vender uma mercadoria, ou, no melhor dos casos, uma iniciativa local equivalente a uma gota-d’água sobre o solo árido do deserto capitalista.

Contra o fetichismo da mercadoria e a autonomização reificada da economia pelo neoliberalismo, o que está em jogo no futuro para os ecossocialistas é pôr em prática uma “economia moral” no sentido dado por Edward P. Thompson a este termo, isto é, uma política econômica fundada em critérios não monetários e extraeconômicos: em outras palavras, a reconciliação do econômico no ecológico, no social e no político.

As reformas parciais são totalmente insuficientes: é preciso substituir a microrracionalidade do lucro pela macrorracionalidade social e ecológica, algo que exige uma verdadeira mudança de civilização . Isso é impossível sem uma profunda reorientação tecnológica, visando a substituição das fontes atuais de energia por outras não poluentes e renováveis, como a eólica ou solar . A primeira questão colocada é, portanto, a do controle sobre os meios de produção e, principalmente, sobre as decisões de investimento e transformação tecnológica, que devem ser arrancados dos bancos e empresas capitalistas para tornarem-se um bem comum da sociedade.

Certamente, a mudança radical se relaciona não só com a produção, mas também com o consumo. Entretanto, o problema da civilização burguês-industrial não é – como muitas vezes os ecologistas argumentam – “o consumo excessivo” pela população e a solução não é uma “limitação” geral do consumo, sobretudo nos países capitalistas avançados. É o tipo de consumo atual, fundado na ostentação, no desperdício, na alienação mercantil, na obsessão acumuladora, que deve ser colocado em questão.

Ecologia e altermundialismo
Sim, nos responderão, é simpática essa utopia, mas por enquanto é preciso ficar de braços cruzados? Certamente não! É preciso lutar por cada avanço, cada medida de regulamentação, cada ação de defesa do meio ambiente. Cada quilômetro de estrada bloqueado, cada medida favorável aos transportes coletivos é importante; não somente porque retarda a corrida em direção ao abismo, mas porque permite às pessoas, aos trabalhadores, aos indivíduos se organizar, lutar e tomar consciência do que está em jogo nesse combate, de compreender, por sua experiência coletiva, a falência do sistema capitalista e a necessidade de uma mudança de civilização.

É nesse espírito que as forças mais ativas da ecologia estão engajadas, desde o início, no movimento altermundialista. Tal engajamento corresponde à tomada de consciência de que os grandes embates da crise ecológica são planetários e, portanto, só podem ser enfrentados por uma démarche resolutamente cosmopolítica, supranacional, mundial. O movimento altermundialista é sem dúvida o mais importante fenômeno de resistência antisistêmica do início do século XXI.

Essa vasta nebulosa, espécie de “movimento dos movimentos” que se manifesta de forma visível nos Fóruns Sociais – regionais e mundiais – e nas grandes manifestações de protesto – contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), o G8 ou a guerra imperial no Iraque – não corresponde às formas habituais de ação social ou política. Ampla rede descentralizada, ele é múltiplo, diverso e heterogêneo, associando sindicatos operários e movimentos camponeses, ONGs e organizações indígenas, movimentos de mulheres e associações ecológicas, intelectuais e jovens ativistas. Longe de ser uma fraqueza, essa pluralidade é uma das fontes da força, crescente e expansiva, do movimento.

Pode-se afirmar que o ato de nascimento do altermundialismo foi a grande manifestação popular que fez fracassar a reunião da OMC em Seattle, em 1999. A cabeça visível desse combate era a convergência surpreendente de duas forças: turtles and teamsters, ecologistas vestidos de tartarugas (espécie ameaçada de extinção) e sindicalistas do setor de transportes. Portanto, a questão ecológica estava presente, desde o início, no coração das mobilizações contra a globalização capitalista neoliberal. A palavra de ordem central desse movimento, “o mundo não é uma mercadoria”, visa também, evidentemente, o ar, a água, a terra, isto é, o ambiente natural, cada vez mais submetido aos ditames do capital.

Podemos afirmar que o altermundialismo comporta três momentos: 1) o protesto radical contra a ordem existente e suas sinistras instituições: o FMI, o Banco Mundial, a OMC, o G8; 2) um conjunto de medidas concretas, propostas passíveis de serem imediatamente realizadas: a taxação dos capitais financeiros, a supressão da dívida do Terceiro Mundo, o fim das guerras imperialistas; 3) a utopia de um “outro mundo possível”, fundado sobre valores comuns como liberdade, democracia participativa, justiça social e defesa do meio ambiente.

A dimensão ecológica está presente nesses três momentos: ela inspira tanto a revolta contra um sistema que conduz a humanidade a um trágico impasse, quanto um conjunto de propostas precisas – moratória sobre os OGMs (Organismos Geneticamente Modificados), desenvolvimento de transportes coletivos gratuitos –, bem como a utopia de uma sociedade vivendo em harmonia com os ecossistemas, esboçada pelos documentos do movimento. Isso não quer dizer que não existam contradições, fruto tanto da resistência de setores do sindicalismo às reivindicações ecológicas, percebidas como uma “ameaça ao emprego”, quanto da natureza míope e pouco social de algumas organizações ecológicas. Mas uma das características mais positivas dos Fóruns Sociais, e do altermundialismo em seu conjunto, é a possibilidade do encontro, debate, diálogo e da aprendizagem recíproca de diferentes tipos de movimentos.

É preciso acrescentar que o próprio movimento ecológico está longe de ser homogêneo: é muito diverso e contem um espectro que vai desde ONGs moderadas habituadas ao lobby como forma de pressão, até os movimentos combativos inseridos num trabalho de base militante; da gestão “realista” do Estado (no nível local ou nacional) às lutas que colocam em questão a lógica do sistema; da correção dos “excessos” da economia de mercado às iniciativas de orientação ecossocialista.

Essa heterogeneidade caracteriza, diga-se de passagem, todo o movimento altermundialista, mesmo com a predominância de uma sensibilidade anticapitalista, sobretudo na América Latina. É a razão pela qual o Fórum Social Mundial, precioso lugar de encontro – como explica tão bem nosso amigo Chico Whitaker – onde diferentes iniciativas podem fincar raízes, não pode se tornar um movimento sociopolítico estruturado, com uma “linha” comum, resoluções adotadas por maioria etc.

É importante sublinhar que a presença da ecologia no “movimento dos movimentos” não se limita às organizações ecológicas – Greenpeace, WWF, entre outras. Ela se torna cada vez mais uma dimensão levada em conta, na ação e reflexão, por diferentes movimentos sociais, camponeses, indígenas, feministas, religiosos (Teologia da Libertação).

Um exemplo impressionante dessa integração “orgânica” das questões ecológicas por outros movimentos é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, com seus camaradas da rede internacional Via Campesina, é um dos pilares do Fórum Social Mundial e do movimento altermundialista. Hostil desde sua origem ao capitalismo e sua expressão rural, o agronegócio, o MST integrou cada vez mais a dimensão ecológica no seu combate por uma reforma agrária radical e um outro modelo de agricultura. Durante a celebração do vigésimo aniversário do movimento, no Rio de Janeiro em 2005, o documento dos organizadores declarava: nosso sonho de “um mundo igualitário, que socialize as riquezas materiais e culturais”, um novo caminho para a sociedade, “fundado na igualdade entre os seres humanos e nos princípios ecológicos”.

Isto se traduziu nas ações – por diversas vezes à margem da “legalidade” – do MST contra os OGMs, o que é tanto um combate contra a tentativa das multinacionais – Monsanto, Syngenta – de controlar totalmente as sementes, submetendo os camponeses à sua dominação, como uma luta contra um fator de poluição e contaminação incontrolável do campo. Assim, graças a uma ocupação “selvagem”, o MST obteve em 2006 a expropriação do campo de milho e soja transgênicos da Syngenta Seeds no Estado do Paraná, que se tornou o assentamento camponês Terra Livre. É preciso mencionar também seu enfrentamento às multinacionais de celulose que multiplicam, sobre centenas de milhares de hectares, verdadeiros “desertos verdes”, florestas de eucaliptos (monocultura) que secam todas as fontes d’água e destroem toda a biodiversidade. Esses combates são inseparáveis, para os quadros e ativistas do MST, de uma perspectiva anticapitalista radical.

As cooperativas agrícolas do MST desenvolvem, cada vez mais, uma agricultura biologicamente preocupada com a biodiversidade e com o meio ambiente em geral, constituindo assim exemplos concretos de uma forma de produção alternativa. Em julho de 2007, o MST e seus parceiros do movimento Via Campesina organizaram em Curitiba uma Jornada de Agroecologia, com a presença de centenas de delegados, engenheiros agrônomos, universitários e teólogos da libertação (Leonardo Boff, Frei Betto).

Naturalmente, essas experiências de luta não se limitam ao Brasil, sendo encontradas sob formas diferentes em muitos outros países, não apenas no Terceiro Mundo, constituindo-se numa parte significativa do arsenal combativo do altermundialismo e da nova cultura cosmopolítica da qual ele é um dos portadores.

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O fracasso retumbante da Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, de dezembro de 2009, confirma mais uma vez, para quem ainda tinha dúvidas, a incapacidade de governos à serviço dos interesses do capital em enfrentar o problema. Em vez de um acordo internacional obrigatório, com reduções substanciais de emissões de gazes com efeito estufa nos países industrializados – um mínimo de 40% seria necessário – seguida de medidas mais modestas nos países emergentes (China, Índia, Brasil), os Estados Unidos impuseram, com o apoio da Europa e a cumplicidade da China, uma “declaração” completamente vazia, que faz senão reiterar o óbvio : precisamos impedir que a temperatura do planeta suba mais de 2°C.

A única esperança é o movimento social, altermundialista e ecológico, que se expressou em Copenhagen numa grande manifestação de rua – 100 mil pessoas – com o apoio de Evo Morales, cujas declarações anticapitalistas sem ambiguidades foram uma das poucas expressões criticas na conferencia “oficial”. Os manifestantes, assim como o Fórum alternativo KlimaForum, levantaram a palavra de ordem “Mudemos o sistema, não o clima!” Evo Morales convocou um encontro de governos progressistas e movimentos sociais em Cochabamba (abril de 2010) com o objetivo de organizar a luta para salvar a Mãe-Terra, a Pacha-Mama, da destruição capitalista.

domingo, 30 de maio de 2010

A Estrutura de um Golpe de Estado e a nova Economia Política dos Povos

Crônicas e Críticas da América Latina:







Pedro Ayres

Jornalista

Em todos os momentos de crise, é comum que os meios de comunicação ouçam, convidem e abram espaço para as explicações dos experts. Na maioria das vezes, por pressão desse fogo de barragem pretensamente intelectual, o que era para ser esclarecido fica mais nebuloso e com ares de esotéricos mistérios.
O Brasil, por exemplo, vive um desses momentos, com uma ineludível tentativa de Golpe de Estado. Um Golpe que os mais simples e diretos vêem semelhança com o que há pouco sucedeu em Honduras, principalmente porque dois são os instrumentadores dessa tentativa - a grande mídia nacional e setores do Poder Judiciário.
Ora, como o ex-governador de São Paulo, detém os apoios do Departamento de Estado, do Pentágono e da CIA, ao negar veracidade até aos relatórios da ONU (http://www.unodc.org/documents/wdr/WDR_2009/WDR2009_Coca_Cocain_Market.pdf) a respeito do mercado de drogas no mundo, tem nítidos objetivos de criar uma situação "legal" de insegurança para a candidatura de Dilma Rousseff, que lidera as pesquisas de intenções de voto, assim, sob esse suporte midiático-“legal” fica mais fácil arguir a ilegitimidade de sua postulação eleitoral e assim surjam as "desculpas e razões" para um "golpe suave" e com isso a restauração do poder imperial, a exemplo do que acontecia nos idos de FHC.
Assim, ao tomar emprestado o comentário de Samira I. Silva, leitora do Blog Tijolaço, do Deputado Federal Brizola Neto, há o objetivo de tornar mais claro e consistente aquilo que não é dito ou explicado pela mídia, além de servir como introdução a este post.
Serra está louco? Não. É a arquitetura de um golpe
" Acredito que todos nós, brasileiros preocupados com os rumos do Brasil, precisamos ficar muito atentos a certos indícios de que a Extrema Direita está arquitetando um golpe para impedir que Dilma assuma a presidência. Vejamos a arquitetura do Golpe:
1- A imprensa (PIG)tem um papel importante em tentar legitimar o golpe perante a opinião pública interna com argumentos podres;
2 – O Judiciário já tem papel definido na legalização golpista, já que tem parte de seu contingente totalmente a serviço da direita podre do Brasil;
3-Agora é a vez do Serra tentar o aval de um “advogado internacional” para seus interesses sujos. Para provocar aceitação internacional ao seu golpe “democrático” pós urnas, Serra tenta o engajamento americano em sua Campanha. Os episódios “Serra ataca o Mercosul” e o mais recente “Serra ataca a Bolívia”, não são simplesmente sandices senis como pode parecer à princípio, mas sim uma estratégia estudada para convencer governo e investidores americanos de que ele (Serra) será o melhor presidente do Brasil que os EUA já tiveram. Com isso ele pretende tanto conseguir investimentos ilícitos de gigantes empresarias americanos (Petroleiros principalmente) para sua campanha presidencial quanto buscar apoio para um golpe pós urnas, que objetiva desprezar o voto popular no Brasil e reinstalar a “democracia dos ricos entreguistas subjulgando a população trabalhadora”. Precisamos estar atentos e falar com todos na rua sobre isso, esclarecendo quem ainda não percebeu. Usar a internet para deixar claro que o povo brasileiro não vai aceitar mais um golpe. Na VERDADEIRA DEMOCRACIA, eleição se ganha no voto!"
Samira I.Silva — 30 de maio de 2010 @ 14:23
http://www.tijolaco.com/?p=16364#comments
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O quadro político-econômico do século XXI e a herança do século anterior têm merecido várias observações e análises mercedoras de uma boa discussão sobre alguns problemas e questões, como a crise do sistema e a aparecimento de países subdesenvolvidos tentando se organizar fora da lógica capitalista. São questões e problemas que nada têm de teóricos ou acadêmicos, mas reflexos do dia-a-dia da humanidade.
Numa delas, por exemplo, ao se afirmar que "o grande transformador do fim do século 20 foi o processo de urbanização acelerado na Ásia, África e América Latina, com a incorporação de milhões ao trabalho assalariado"-, reforça-se o entendimento do desses processos econômicos como agentes de grande poder transformador, ora atuantes com muita potência na formação de relações sociais, ora gerando novas relações de produção e uma nova divisão internacional do trabalho. Como agora acontece em quase todo o mundo.
Hoje, quando se procura entender a nova realidade que surge no Século XXI como o aparente ressurgimento de velhas lutas anti-imperialistas, anticolonialistas e da clássica oposição entre Trabalho e Capital, é importante compreender que esses novos eixos materiais e subjetivos transformadores são os sinais de que uma nova Divisão Internacional do Trabalho está se organizando. Hoje os Estados Unidos, o Reino Unido, a Europa e o Japão não compreendem que ao cumprirem com os objetivos do sistema financeiro, na constante busca pela maximização dos lucros, mais do que minarem as bases econômicas de seus poderes imperialistas, pela própria natureza das relações engendradas pela precariedade daquele desenvolvimento a que estavam submetidos os povos do 3º Mundo, estavam gerando um novo modo de pensar coletivo. As grandes massas, mesmo sem profundas formulações teóricas, chegaram à compreensão de que um Novo Mundo tinha que ser inventado. E partiram para a invenção.
Uma invenção tão simples e ao mesmo tempo tão sofisticada que às vezes nos dá a nítida sensação de de que esse Novo Mundo é o produto onírico de todos os povos que algum dia já foram escravos, dominados, saqueados, explorados e espoliados. É o realismo mágico da economia política dos povos subdesenvolvidos. É a própria Utopia em processo de construção.
Foi, pois, através do exclusivo uso de suas históricas experiências de subjugados e espoliados que esses povos ousaram formular um outro tipo de política. Não mais aquela política dos acadêmicos opositores e nem a dos poderes oligárquicos, porém, uma política em que aparentemente houve a assimilação de tudo o que fora pregado como tese essencial para o lberalismo, como o voto sendo a base de todo esse novo tipo de poder. Esta ação popular é tão eficaz e objetiva que está a obrigar uma nova "leitura" do que seja democracia por parte do Imperialismo.
No passado quase recente, a democracia tinha no voto direto e universal o seu principal alicerce. Um alicerce que era mais profundo e forte de acordo com a quantidade e a periodicidade com que se realizavam as eleições. Se nessas eleições houvesse a mudança dos governantes, então mais democrático era o país e o processo. Como o povo compreendeu que poderia alterar a correlação das forças políticas a seu favor, gradual e lentamente o voto foi perdendo as suas características definidoras de estado democrático, principalmente se os eleitos não se ajustavam aos figurinos das classes dominantes internas e externas.
A democracia só existe quando o poder "decidido" pelo povo é mantido nas mãos daqueles grupos e classes sociais que historicamente o detinham. O simples fato de haver uma maioria de votos, mesmo que seja de forma esmagadora, perto dos 2/3, por exemplo, não comprova o existir político democrático. Prova apenas que a maioria do povo votou daquele modo, pois, segundo a hodierna interpretação elaborada pelo Império e seus "thinks tanks", uma democracia só existe quando o poder é exercido por quem detêm o domínio e a propriedade dos meios de produção e do capital. Um exercício de poder que lhes é delegado pelo povo de forma indireta, tanto que não pode ousar nenhuma modificação nesses procedimentos.
É, mais ou menos, o que estamos a ver aqui no Brasil, quando todas as estruturas político-econômicas oligárquicas e ligadas ao Império lançam-se com desespero na direção de um processo político capaz de romper a estabilidade constitucional do país. Como a tática de reproduzir a mesma relação político-social existente no campo e nas regiões dependentes economicamente de umas poucas atividades produtivas e de serviços não produz os resultados de antes, o jeito é tentar um outro processo, ainda que seja mais rude e ilegal.
A opção pela ruptura da legalidade, bem sucedida no passado e recentemente em Honduras, não é muito factível por aqui, a despeito dos apoios da mídia e de alguns servidores públicos ocupantes de altos cargos no Poder Judiciário. Essa dificuldade operacional pode ser explicada da forma mais singela possível - a melhoria das condições de vida da população e a recuperação de alguns direitos sociais que pareceiam estar perdidos para sempre, como o trabalho regular e a gradual caminhada no rumo do pleno emprego.
É aí, pois, que a urbanização assume um preponderante papel para a formação desse novo tipo de cidadania. O processo de urbanização, que tinha obedecido às novas necessidades de mão-de-obra e de consumo do capitalismo desse período, hoje, é um forte agente transformador e organizador da sociedade que está a ser construída pelos povos subdesenvolvidos.
Esse aparente paradoxo, de ter surgido uma nova visão organizativa popular a partir do neoliberalismo, é algo natural, pois, na maioria das vezes, mesmo tendo perdido algumas ilusões patrimoniais na transferência do campo para as cidades, além de recriarem novas bases para suas relações familiares e de amizade, ou seja , relações comunitárias, ao agirem dessa forma, construiram e constroem uma nova estrutura de base. Uma estrutura não estática e com capacidade para transformações mais velozes e adaptadas às emergentes necessidades de companheirismo, solidariedade e fraternidade, bem ao contrário do que pregava o ideário neoliberal.
O feminismo, o fracionamento das lutas sociais, a indivivuação em busca de direitos, a transferência de vários serviços e atividade públicas para entidades particulares, a precariedade do trabalho, o informalismo das ocupações produtivas ou de serviços, mais o "downsizing" de salários e empregos, ainda que tenham maléficos efeitos individuais e coletivos, foi a aplicação da "financeirização" ou "monetização" de toda a cadeia econômica com a finalidade de mais eficiência nos lucros empresariais.
Esse procedimento tinha que produzir quase que imediatos ganhos financeiros, mesmo que isso pudesse redundar na destruição de alguns segmentos da economia real. Ora, como o sistema se considera imune aos graves embates da realidade, afinal de contas, são quase seis séculos de existência, está com dificuldades para entender o que se passa. Assim, mantidas as naturais e justas diferenças e distâncias, os fatos políticos que estão a se suceder aqui no Brasil e no mundo têm as suas linhas mestras neste subterrâneo reaggiornamento que a economia real está a realizar. E o resultado será o avanço desse novo modo de pensar e agir do povo.
O comportamento de tais ou quais candidatos, ainda que suas histórias de vida e idiossincrasias pessoais possam ter alguma influência, tem por base o tipo de inserção social e econômica que determinam o seu presente político e a sua história política recente. Serra é o arcaismo predatório de um tipo X de capitalismo, já em vias de extinção. Dilma, por sua feita, é a clara representante do novo tipo de pacto que a sociedade brasileira, latinoamericana e mundial está a exigir. A vitória, como sempre, será e é do novo.
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Pedro Ayres

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Da Carta Maior: Mídia se esforça para ser o que não é

Carta Maior:




DEBATE ABERTO

Mídia se esforça para ser o que não é

Por que não lançam como vice de Serra a presidente da ANJ e executiva do grupo Folha de S.Paulo, Maria Judith Brito, autora da estupenda declaração que abriu inédita clareira para se entender o "lait-motiv" de nosso vetusto baronato da comunicação?

Washington Araújo

Recentemente aceitei convite de estudantes de jornalismo para analisar o comportamento da grande mídia ante as eleições majoritárias de outubro próximo. Embora não me apeteça deitar falação sobre tema tão circunscrito, não posso recusar sempre tais convites. Às vezes há que se aceitar, não porque este ou aquele tipo de cobertura me agrade ou desagrade, mas porque está dentro do perfil esperado de um crítico da mídia. Ora, os que me conhecem sabem que sou bem mais afeito a tratar de direitos humanos, liberdade de opinião, direitos da mulher, defesa de índios e outras populações vulneráveis, crítica às estruturas de poder capitalista, ao consumismo e por aí vai. O problema é que uma vez escrito o texto este se transforma em munição de uns em relação a outros desvirtuando por completo a intenção original que era apenas a de oferecer outra visão sobre o trabalho jornalístico capenga e sectário de parte majoritária de nossa grande imprensa.

Feitas as considerações pertinentes, vamos ao que interessa. Chama atenção a assimetria crítica vista na imprensa para cobrir as pré-campanhas presidenciais já postas. Multa para Lula e Dilma repercute antes mesmo de haver sido exarada. Passa a tema de editoriais inflamados, com blogueiro clamando por impugnação de candidatura na fase atual ou, então, a cassação caso a atual candidata logre êxito nas urnas. Enquanto isso, multa para o consórcio demotucano não chega nem a figurar em rodapé de coluna política. E se é mencionada, por distração do destino, ocupa menos espaço que a recordação do que levou o TSE a multar o consórcio governista.

A grande mídia tem ideia fixa de fazer Aécio Neves vice na chapa presidencial de José Serra. Qualquer sinal, seja de fumaça ou não, dando a entender que Aécio baixou a guarda e já aceita considerar dedicar um átimo de milionésimo de segundo sobre a não tão remotíssima possibilidade de vir a ser parceiro de Serra para que, então, todas as pautas caiam, todos os temas sejam sumariamente liquidados, todas as reportagens em andamento desandem de imediato e todas as editorias entrem em pausada letargia.

É impressionante a disposição de nossa grande imprensa em ecoar um zumbido quiçá ouvido em Minas e mencionando a odisséia travada por José Serra para fazer vice o ex-governador mineiro. E não precisava ser assim. Esquece a mesma grande imprensa que o perfil adequado e cinzelado com extremo bom senso está bem ali, ao alcance de seus olhos, dentro de casa.

Porque não lançam a autora da estupenda declaração que, desde 18 de março de 2010, abriu inédita clareira para se entender o lait-motiv de nosso vetusto baronato da comunicação? A declaração é de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de S.Paulo e diz o seguinte: "A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo."

A desfaçatez é de tal monta que, não obstante a declaração acima citada, os veículos mantêm a ambígua posição de se afirmarem imparciais e apolíticas. Esforçam-se para divulgar pesquisas para consumo interno dando conta que são vistos como equânimes, justos na cobertura do pleito político que se aproxima. À exceção de CartaCapital, que desde sempre declara sua posição política, as demais grandes revistas semanais de informação e os grandes jornais, emissoras de tevê e de rádio com cobertura nacional fincam raízes no engodo de divulgar o que é, de fato, sua prática: jornalismo atrelado a projeto de poder partidário. Qualquer coisa, menos isenção, independência, visão crítica.

Nada mais justo que se encare o jogo político em toda sua inteireza. E se matariam dois coelhos com uma caixa d´água só, como diria amigo meu dos anos 1980. O primeiro seria solucionar a questão labiríntica de encontrar um Aécio para Serra. O segundo seria cacifar a posição político-partidária de nossa grande imprensa através de sua entidade de classe por excelência. Resta saber se agradaria aos gregos, troianos e democratas, sempre de olhos postos na vaga. É como a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos com Erasmo querendo ocupar o lugar de Roberto. Caso Roberto cedesse provavelmente outros seriam os sucessos. Mas, com certeza, não existiria a bela Detalhes.

Washington Araújo
é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com

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