quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ministério das Comunicações: por onde começar?

Da Carta Maior

A posse do novo ministro das Comunicações alimenta a expectativa de que, ao lado de outras prioridades, o caos generalizado nas concessões e as relações espúrias entre políticos no exercício do mandato e o serviço público de radiodifusão serão enfrentados. O recadastramento seria um excelente começo.
Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Além do discurso de posse, o ex-deputado e ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo (PT-PR) deu várias entrevistas ao longo de seus primeiros dias como novo ministro das Comunicações. As interpretações de suas falas e compromissos variaram de acordo com o interesse dos entrevistadores.

Dois exemplos: a Folha de S.Paulo [7/1] destacou em manchete de capa "Ministro defende proibição de que políticos tenham TV". Já o Estado de S.Paulo [8/1] considerou mais relevante "enterrar" um plano que, se existe, ainda não foi sequer divulgado: "Bernardo enterra plano de regulação da mídia".

De concreto, até agora, parece que o ministro está reunindo no ministério iniciativas e pessoas que estavam dispersas em diferentes setores do governo Lula e expressavam divergências internas em relação ao rumo de políticas públicas do setor: os programas de inclusão digital, o plano nacional de banda larga e o marco regulatório para as comunicações eletrônicas, por exemplo. Há muita coisa pela frente.

Arrisco sugerir ao novo ministro que, na radiodifusão, comece com uma providência básica: o recadastramento dos concessionários e o acesso público ao cadastro geral que venha a emergir deste recadastramento [ver, neste Observatório, "O direito à informação pública" e "Onde está a informação oficial?"].

"Terra de ninguém": o exemplo do DF
Um bom local para começar o recadastramento seria o próprio Distrito Federal, bem ao redor da sede física do Ministério das Comunicações.

Em três matérias de capa consecutivas no seu caderno "Cidades" (dias 6, 7 e 8 de janeiro) o Correio Braziliense fez uma denúncia grave que envolve o suplente do ex-governador e senador relâmpago Joaquim Roriz (cinco meses), Gim Argello (PTB-DF), no exercício do cargo desde a renúncia do titular.

Segundo o jornal, o senador Argello, por intermédio de seu filho, estaria no controle, como arrendatário (?), da Rádio Nativa FM, desde abril de 2009. Além de beneficiária indevida de recursos públicos oriundos de emendas ao Orçamento da União, a emissora FM estaria também promovendo distribuição de prêmios a ouvintes fantasmas.

As matérias do Correio, no entanto, deixam de fazer um histórico sobre a Rádio Nativa, suponho que pela dificuldade de acesso aos dados.

Com alguma dose de paciência o interessado encontrará fragmentadas em diferentes sites da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informações que revelam: a Rádio Nativa FM é a antiga Rádio OK FM cuja concessionária é a "Brasília Comunicação Ltda". Ainda está lá que os diretores são Lino Martins Pinto – fundador do Grupo OK, falecido em 2007 e pai de criação do ex-senador Luiz Estevão – o outro diretor e, de fato, proprietário da empresa.

Como se sabe, Luiz Estevão (PMDB-DF), com mandato entre 1988 e 200, o único senador cassado pelo Senado Federal, foi acusado de envolvimento no desvio de R$ 169 milhões nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

O mais intrigante, todavia, é que a antiga Rádio OK FM – hoje Nativa FM –, segundo os dados da Anatel [consultados aqui, em 9/1/2011], está com a concessão vencida desde o dia 12 de junho de 2001. Seu funcionamento é, portanto, irregular.

MiniCom e Conselhos
As várias irregularidades denunciadas em relação à Radio Nativa FM – não por acaso, envolvendo um ex-senador e um senador da República – são apenas um exemplo do tipo de coronelismo eletrônico que ainda prevalece na radiodifusão do país.

Há poucos meses, aqui mesmo no Observatório e ainda em relação a Brasília, tentamos desvendar a real situação das emissoras de rádio e televisão controladas por outro político, o ex-vice governador e governador Paulo Octávio, que renunciou por ocasião do escândalo conhecido como Caixa de Pandora [ver "A terra de ninguém" e "Sobre a cartografia da terra de ninguém"].

A posse do novo ministro das Comunicações alimenta a expectativa de que, ao lado de outras prioridades, o caos generalizado nas concessões e as relações espúrias entre políticos no exercício do mandato e o serviço público de radiodifusão serão enfrentados.

O recadastramento seria um excelente começo.

Por outro lado, a posse de novos governadores nos estados brasileiros recoloca em pauta a criação dos Conselhos de Comunicação Social. O debate do tema certamente deve começar pelos estados onde esses conselhos já estão previstos nas respectivas Constituições e/ou Leis Orgânicas.

No Distrito Federal, ganha corpo um movimento para que seja regulamentado o Artigo 261 da Lei Orgânica, aprovada em 1993, que prevê a criação do Conselho de Comunicação Social do DF.

Uma das funções desses conselhos seria colaborar na fiscalização do cumprimento das leis por parte dos concessionários locais do serviço público de radiodifusão.

Talvez assim, e com o acompanhamento efetivo do MiniCom, a vigilância organizada da cidadania pudesse evitar a continuidade de situações absurdas como as acima descritas.

A ver.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Os enormes desafios da classe trabalhadora em 2011

Do Brasil de Fato


Esperamos que esse ano as mobilizações de massa e as grandes jornadas unitárias da classe trabalhadora sejam retomadas


Editorial ed. 410 do Brasil de Fato

Estamos iniciando mais um ano. E 2011 promete muitas surpresas e a necessidade da classe trabalhadora brasileira voltar a se mobilizar e participar ativamente da vida política do país.
O governo Dilma, pela montagem do Ministério e alianças partidárias, tentará ser uma continuidade mais avançada do governo Lula. Porém, a burguesia brasileira estará mais ativa e promete manter uma ofensiva política, sobretudo através de seus meios de comunicação de massa e do Poder Judiciário, para impedir quaisquer mudanças estruturais a favor do povo.
Assim, certamente teremos muitos e novos desdobramentos na dinâmica da luta de classes no Brasil, durante todo o ano.
1. Há no horizonte internacional um temporal não desaluviado da ameaça do recrudescimento da crise capitalista, que pode trazer enormes consequências para a economia brasileira, ainda muito dependente do capital e do mercado internacional. Ou seja, a conjuntura internacional é de alerta e preocupação.
2. Há diversos temas do calendário político e legislativo que marcarão a agenda da luta de classes, como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho para 40 horas, o debate sobre a reforma tributaria e retomada da CPMF e o debate sobre a necessária reforma política, pois as eleições se transformaram em meros joguetes de marqueteiros e financiadores privados de campanhas.
Os projetos relacionados com a forma de exploração e a distribuição das riquezas do pré-sal voltarão ao debate. Pairam ameaças de retomada de leilões e outras falcatruas para que as empresas petrolíferas internacionais tenham acesso ao nosso petróleo.
Entrarão em debate também os problemas estruturais da classe trabalhadora, como a educação – seja o combate ao analfabetismo, seja a universalização do acesso dos jovens à universidade. Também estará posto o tema das condições de vida nas grandes cidades. O Minha Casa Minha Vida se transformou num grande programa de especulação imobiliária das empresas. E o preço dos terrenos e dos alugueis dispararam. É necessário um grande debate em toda sociedade, para sabermos como resolver, de fato, o déficit de 10 milhões de moradias necessárias.
Sabemos que esses problemas da classe trabalhadora – educação, moradia e melhorias do salário mínimo – não se resolvem sem enfrentar o superávit primário e os volumosos recursos públicos desviados do tesouro nacional para pagar apenas os juros de uma dívida pública interna inexplicável, que toma dinheiro de 192 milhões de brasileiros e os destina, via Estado, para apenas 20 mil proprietários dos títulos.
Também está colocado, sobretudo nas grandes cidades, o tema do transporte coletivo e público. A prioridade do transporte individual – com financiamentos generosos, grandes lucros das empresas transnacionais, montadoras dos veículos e as verbas publicitárias que inundaram a televisão – transformaram o automóvel no centro do mundo. E a vida da população, num inferno, em que a maioria gasta horas, todos os dias, para chegar ao trabalho. Isso se não chover ou se não houver nenhum acidente de trânsito.
Portanto, o cenário é de muita disputa.
3. No meio rural a luta de classes também sinaliza para um aumento do enfrentamento entre dois projetos. De um lado, o agronegócio, cada vez mais dominado pelos capitalistas internacionais, com seus bancos e empresas. E de outro lado, os camponeses e a sociedade brasileira em geral. A agressão ao meio ambiente realizada diariamente por esse modelo predador, as mudanças exigidas pelo capital no Código Florestal e a tentativa de impor a tecnologia terminator, para esterilizar as sementes vendidas pelas transnacionais (conforme projeto de lei do deputado Vacarezza, aquele mesmo que gastou R$ 4 milhões na sua campanha e defendeu a flexibilização da CLT), são alguns pontos da pauta das elites.
Estará em curso durante o ano uma campanha nacional de conscientização da população sobre os malefícios dos agrotóxicos nos nossos alimentos. A campanha da fraternidade das igrejas cristãs, conscientizarão sobre a importância de proteger o meio ambiente e a irresponsabilidade do capital predador. E teremos ainda uma grande consulta mundial, liderada pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, para denunciar as agressões que o grande capital faz colocando em risco a vida do planeta.
4. Está posto também no Brasil, em termos de disputa política, o processo em curso de desnacionalização da propriedade da terra. Milhares de hectares vêm sendo comprados diretamente por empresas transnacionais, nas regiões da Amazônia, nas regiões do etanol e do Cerrado. Outros milhares de hectares são comprados por fundos de investimentos de origem externa de difícil controle. Portanto, será necessário travar uma luta de massas, para impedir essa sanha que afeta a soberania nacional brasileira.
Todos esses temas, projetos e direitos que estarão em jogo dependerão de uma ampla mobilização da classe trabalhadora, ainda dormente. Precisamos motivar a que os movimentos sociais recuperem seu papel conscientizador, organizador e mobilizador da classe, na luta por seus direitos e interesses.
Esperamos que esse ano as mobilizações de massa e as grandes jornadas unitárias da classe trabalhadora sejam retomadas.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O Wikileaks abre uma janela, mas depende de nós garantir que por ela não entrem larápios e fantasmas que andam muito vivos.

Do Brasil de Fato

Wikileaks e os podres poderes

O Wikileaks abre uma janela, mas depende de nós garantir que por ela não entrem larápios e fantasmas que andam muito vivos


João Brant

A enxurrada de informações trazidas pelo Wikileaks desde o final de novembro é um fato incontestavelmente relevante. Embora o grupo já atuasse com vazamento de correspondências sigilosas há alguns anos, a mudança de estratégia de divulgação somada ao aumento da quantidade de informações fez os efeitos de agora serem avassaladores.
A maior parte do que foi relevado não surpreende nenhum militante bem informado, mas ajuda a desconstruir o argumento de 'teorias da conspiração'. O império age como império; e ponto final. Mais que isso: tem aliados confiáveis em altas posições do governo brasileiro. Tudo aquilo que você sempre leu na ótima cobertura internacional deste Brasil de Fato soa mais verdadeiro do que nunca.
É claro que junto com qualquer ação que afete o império vem a reação conservadora. Aí vale a interrogação proposta por Boaventura de Sousa Santos em texto recente: “irá o mundo mudar depois destas revelações?”. Ele mesmo responde: “a questão é saber qual das globalizações em confronto – a globalização hegemônica do capitalismo ou a globalização contra-hegemônica dos movimentos sociais em luta por um outro mundo possível – irá beneficiar mais com as fugas de informação”.
Os EUA tentam empurrar para o mundo todo uma agenda de combate aos crimes na internet, que na verdade serve duplamente a seus próprios interesses: no âmbito político, permite a vigilância e a defesa dos interesses de seu governo; no econômico, protege os interesses das grandes empresas, especialmente aquelas que ganham rios de dinheiro como intermediárias de direitos autorais.
No Brasil, o embate entre aqueles que dizem combater os crimes na internet e aqueles que defendem a liberdade e a privacidade na rede tem seu ápice no debate do Projeto de lei 84/99, conhecido como “AI-5 Digital”, que alguns deputados ainda tentam aprovar no lusco-fusco de seus mandatos.
É preciso ficar atento e se organizar para que as forças reacionárias não utilizem esse momento para fazer avançar sua agenda conservadora. O Wikileaks abre uma janela, mas depende de nós garantir que por ela não entrem larápios e fantasmas que andam muito vivos.
João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Publicado originalmente na edição 407 do Brasil de Fato.

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