sexta-feira, 8 de abril de 2011

O referendo da morte

BRASIL! BRASIL!




Em outubro de 2005, os brasileiros foram às urnas para escolher se a venda de armas deveria ser proibida ou não. Órgãos de imprensa, como a revista Veja, defenderam a liberação

"Brasil 247

No dia 23 de outubro de 2005, os brasileiros foram às urnas. Tiveram de responder a uma única pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?” Havia duas opções: sim e não. O “não” obteve 59.109.265 votos (63,94% do total); o “sim” recebeu 33.333.045 (36,06%).

Um resultado surpreendente, pois o Brasil é um dos países onde mais se mata e se morre com armas de fogo. E em 99% dos casos por motivos torpes. Brigas de botequim, brigas de trânsito, pequenos assaltos.

Antes do referendo, o Brasil foi bombardeado com uma campanha midiática gigantesca. Muitos argumentavam que a proibição feria a liberdade individual. O caso mais célebre foi o da revista Veja, que fez uma reportagem de capa intitulada “7 razões para votar não: a proibição vai desarmar a população e fortalecer os bandidos”.

Internamente, a reportagem se chamava “o referendo da fumaça”. Eis as sete razões apontadas por Veja para que o comércio de armas continuasse liberado no Brasil:

1) OS PAÍSES QUE PROIBIRAM A VENDA DE ARMAS TIVERAM AUMENTO DA CRIMINALIDADE E DA CRUELDADE DOS BANDIDOS;

2) AS PESSOAS TEMEM AS ARMAS. A PROIBIÇÃO NÃO VAI RETIRÁ-LAS DE CIRCULAÇÃO;

3) O DESARMAMENTO DA POPULAÇÃO É HISTORICAMENTE UM DOS PILARES DO TOTALITARISMO. HITLER, STALIN, MUSSOLINI, FIDEL CASTRO E MAO TSÉ-TUNG ESTÃO ENTRE OS QUE PROIBIRAM O POVO DE POSSUIR ARMAS;

4) A POLICÍA BRASILEIRA É INCAPAZ DE GARANTIR A SEGURANÇA DOS CIDADÃOS;

5) A PROIBIÇÃO VAI ALIMENTAR O JÁ FULGURANTE COMÉRCIO ILEGAL DE ARMAS;

6) OBVIAMENTE, OS CRIMINOSOS NÃO VÃO OBEDECER À PROIBIÇÃO DO COMÉRCIO DE ARMAS;

7) O REFERENDO DESVIA A ATENÇÃO DAQUILO QUE DEVE REALMENTE SER FEITO: A LIMPEZA E O APARELHAMENTO DA POLÍCIA, DA JUSTIÇA E DAS PENITENCIÁRIAS]

Com esse tipo de argumento, o Brasil votou pela continuidade do comércio de armas. Se você é favor do desarmamento, manifeste-se no twitter: #novoreferendoja.”
Foto: Tasso Marcelo, Agência Estado

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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Carta Maior - Internacional - O apocalipse japonês explicado ao Ocidente

Carta Maior:
 "O apocalipse japonês explicado ao Ocidente
Como o 11 de setembro transformou os Estados Unidos, o 11 de março transformará o Japão. O cataclismo será um eletrochoque e a reconstrução se converterá no objetivo nacional do qual carecem hoje os japoneses? O fato de ter roçado o Apocalipse os levará a reconsiderar um modo de desenvolvimento, onde um único acidente pode transformar uma de suas megalópoles em um deserto envenenado? Estas perguntas dirigem hoje todo o futuro do Japão. O artigo é de Jean-Marie Bouissou.

Jean-Marie Bouissou – Le Monde Diplomatique

Imediatamente depois da tragédia que atingiu o Japão, os meios de comunicação ocidentais maravilharam-se diante das multidões de Tóquio que caminhavam em ordem na noite do terremoto sem manifestações de desespero e sempre contendo as lágrimas. Falou-se de estoicismo, dignidade, fatalismo, tabu...Essa atitude foi atribuída à formação (“todos os estudantes japoneses aprendem o que é preciso fazer em caso de terremoto”), ao costume (“no Japão, as fúrias da natureza fazem parte da vida”) e, às vezes, à manipulação (“os meios de comunicação ocultam o que é mais horrível”). Também falou-se muito de uma suposta mescla de Zen e cultura pop, desenhos e “mangás” (HQ japonesas), “cultura do efêmero” e “cultura do desastre” (1). Chegaram a recitar na televisão – sobre a tumba de barro onde jazem enterradas vinte mil vítimas – os antiquíssimos “haikus” para explicar aos telespectadores “por que os japoneses não choram” (2).

Como reação a essa avalanche midiática, outros denunciaram o velho fantasma orientalista de uma diferença inventada, e inclusive as reminiscências do “japonismo”, tão ao gosto dos ultranacionalistas nipônicos que querem demonstrar, por meio de anedotas e generalizações abusivas, que os japoneses constituem um povo cultural e geneticamente homogêneo cuja “essência” não se parece com nenhuma outra...(3).

No entanto, não podemos negar que as nações estão dotadas de uma “essência” e comprovamos que muitas delas são reconhecidas simbolicamente em uma grande narrativa fundadora. Os estadunidenses na conquista do Oeste e os franceses na tomada da Bastilha. Os japoneses possuem um cenário recorrente: o do cataclismo seguido de um renascimento. No mito original, a colérica deusa do sol Amaterasu, antepassada da família imperial, mergulha o mundo nas trevas antes de devolver a luz. Em uma época mais próxima, o Japão conheceu a longa paz do período Edo (1603-1868) que sucedeu dois séculos de anarquia sangrenta. A modernização nasceu da terrível irrupção, em 1853, das canhoneiras ocidentais nos portos de um arquipélago fechado ao mundo há mais de dois séculos. E o holocausto de Hiroshima foi o prelúdio do “milagre japonês” que converteu o país na segunda potência econômica do mundo.

A impregnação desta trama histórica nas mentalidades é reforçada pela contínua sucessão de catástrofes naturais que afetam o arquipélago: o regresso anual de tufões e deslizamentos de terras, erupções vulcânicas, terremotos e tsunamis. Nos últimos cem anos, o Japão sofreu 119 terremotos de magnitude superior a 6. Destes, 65 foram mortíferos, especialmente em Tóquio (140 mil mortos em 1923), no Sanriku (3.064 mortos em 1930), em Fukui (3.800 mortos em 1948) e em Kobe (6.437 mortos em 1995). A população, encurralada na franja costeira de um arquipélago acidentado, nunca teve outra opção que a de voltar a construir no mesmo lugar. Sempre conseguiu. O arquipélago possui uma experiência sem igual em matéria de cataclismos, mas ignora o fim do mundo que o cristianismo promete para a humanidade. O budismo não ameaça seus fiéis e o xintoísmo centra-se totalmente no ciclo da vida. Diante do Apocalipse cristão, no qual o ser humano não pode fazer nada e que só promete a ressurreição dos crentes no outro mundo, o Apocalipse made in Japan leva o germe de um futuro que devolve às pessoas o seu renascimento.

Isso é certo inclusive em relação a Hiroshima e contribui para explicar por que se desenvolveu no Japão a energia nuclear sem encontrar a oposição feroz que seria de se esperar em um país sofreu o fogo atômico. O holocausto nuclear, ainda que horrível, fechou um ciclo de hábitos guerreiros e de totalitarismo opressivo e abriu espaço para um novo Japão, pacifista, democrático e próspero. A atitude dos japoneses frente ao átomo reflete esta ambiguidade fundamental. Todos os pequenos baby bombers nipônicos aprenderam que o fogo nuclear foi um horror, mas todos se apaixonaram pelo Tetsuwan Atomu (Átomo poderoso), aliás Astroboy (4), o pequeno e valente robô criado em 1952 pelo “deus do mangá” Tezuka Osamu. Astroboy, que foi à escola com as crianças de sua geração e defendia o bem, a democracia e a igualdade entre as raças nos quatro cantos do mundo, tinha um coração atômico...A lei sobre o desenvolvimento da energia nuclear foi votada três anos depois de seu nascimento e o primeiro reator começou a funcionar em 1965, a menos de 150 quilômetros de Tóquio, enquanto a versão animada de Astroboy batia todos os recordes de audiência na tv pública NHK.

Desde a guerra, os cataclismos são uma fonte de inspiração inesgotável para a cultura japonesa. Os mangás, o cinema e os jogos de vídeo familiarizaram os japoneses com as imagens apocalípticas de maremotos gigantescos, cidades arrasadas, sucatas de veículos espalhados em paisagens devastadas e refinarias em chamas. Mas em meio século o gênero viveu uma evolução radica. Nos anos 70, o jovem sobrevivente de Hiroshima (Hadashi no Gen), cuja mãe fê-lo jurar na tarde do bombardeio atômico que lutaria por um mundo melhor, supera a prova com um otimismo incrível e um sentido muito claro de seu dever; no final, avança com entusiasmo na direção do futuro. Uma década depois, os heróis de Akira vagam entre as ruínas de Tóquio perseguindo objetivos pessoais insignificantes em relação ao cataclismo que destruiu a megalópole, e, no final, o mundo não é reconstruído.

A heroína de Nausicaa (cuja versão mangá de Hayao Miyazaky é muito mais complexa e sombria que o filme) decide que a humanidade que transformou o planeta em um inferno contaminado não merece recuperar seu domínio. Na virada do século XXI, em “A arma definitiva” ou “Dragon Head” ninguém mais sabe por que o mundo afundou, a loucura reina por todas as partes e uma morte solitária espera os adolescentes perdidos nesse desastre (5). Se o tema pós-apocalipse evoluiu desta forma em menos de cinquenta anos, pode-se perguntar legitimamente por esse elemento que aparece nesta “aguda consciência da precariedade (...) entre o sonho e a realidade” (6), que já inspirava os poetas da época de Heian (794-1185), e se é legítimo invocá-los para explicar a atitude dos japoneses de 2011...

Essa evolução também reflete a crise profunda do impulso nacional em um país que envelhece, debilitado por vinte anos de depressão econômica, traumatizado pelas reformas neoliberais implantadas desde princípios do século e paralisado por um sistema político sem alento. Como o 11 de setembro transformou os Estados Unidos, o 11 de março transformará o Japão. O cataclismo será um eletrochoque e a reconstrução se converterá no objetivo nacional do qual carecem hoje os japoneses? O fato de ter roçado o Apocalipse os levará a reconsiderar um modo de desenvolvimento, onde um único acidente pode transformar uma de suas megalópoles em um deserto envenenado? Estas perguntas dirigem hoje todo o futuro do Japão.

Notas:
(1) «Japon, la culture du désastre», Le Monde, 16 de março de 2011.

(2) Por exemplo, no programa «Un autre midi» (Canal+), 19 de março de 2011.

(3) Por exemplo Philippe Pelletier, geógrafo e especialista no Japão, no programa «Débats» de France 24, dia 15 de março de 2011.

(4) Astroboy. Publicado en Shônen de 1952 a 1968.

(5) Keiji Nakazawa, Hiroshima, 1973-1985; Katsuhiro Ôtomo, Akira, 1982-1990; Hayao Miyazaki, Nausicaa del Valle del viento, 1982-1994; Shin Takahashi, El Arma definitiva, 2000-2001; Dragon head, Minetaro Mochizuki, 1994-1999.

(6) «Ces Japonais à l’héroïsme poignant», Le Monde, 18 de marzo de 2011

(*) Jean-Marie Bouissou é diretor de investigação en Sciences Po (Paris), especialista en Japão contemporâneo. Sua última obra é: Manga. Histoire et univers de la bande dessinée japonaise, Philippe Picquier, Arles, 2010.

Tradução: Katarina Peixoto

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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Dilma, 100 dias: o jogo de claro-escuro da imprensa

Carta Maior:

"Debate Aberto

Dilma, 100 dias: o jogo de claro-escuro da imprensa
A pauta, o foco e o interesse dos colunistas da imprensa escrita tem sido o de elogiar a presidenta Dilma Rousseff ao mesmo tempo em que trata de desmerecer seu antecessor no cargo. Um jogo de claro-escuro em que muitas vezes é apenas claro ou apenas escuro.

Washington Araújo

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Partidos de oposição ao governo do ex-metalúrgico não economizaram em criar epítetos para rotular Dilma Rousseff. Chamá-la de 'poste' virou lugar comum ao longo de 2010. Chamá-la de 'marionete', de ser criada artificialmente no laboratório do ex-presidente Lula, pontuou os debates com os presidenciáveis no segundo semestre de 2010. Não faltou quem não arriscasse uma praga poderosa de que, uma vez eleita, não governaria por si mesma, estaria sempre à sombra de seu antecessor e criador. No mesmo caminho, presidenciáveis com algum bom índice de intenção de votos nas pesquisas Ibope/Datafolha/Vox/Sensus, não hesitavam em lhe atribuir um caráter fraco. É de José Serra a sentença definitiva: 'Na primeira oportunidade, uma vez eleita, Dilma trai Lula!'

Mais alguns dias e teremos sobrevivido a todos esses prognósticos fracassados. Nem Dilma tem governado o Brasil como se fosse um poste, uma marionete, nem passa-nos a impressão, por mais leve que seja, de que para espirrar necessita de prévia autorização de seu antecessor no terceiro andar do Palácio do Planalto. Também nenhum de seus atos de governo, não obstante a torcida da grande imprensa para que tal ocorresse, nos autoriza a pensar em uma traição da presidenta ao ex-presidente.

Nesses quase 100 dias de 2011, o Brasil governado por uma mulher não foi para o limbo por tantos aventado, esperado, anunciado. A presidenta anunciou logo de partida um possível corte de formidáveis R$ 50 bilhões no Orçamento da União. Desancou o governo de Mahmoud Ahmadinejad logo em sua primeira entrevista à imprensa internacional: 'Não apoio um governo que apedreja uma mulher'. Referia-se à iraniana Sakineh Ashtiani.

Vendo as águas tragarem a precária infraestrutura da região serrana do Rio de Janeiro logo nas primeiras semanas de sua gestão, não pensou duas vezes, tomou um helicóptero, sobrevoou as áreas inundadas, destruídas, as casas soterradas, as vidas interrompidas e de pronto autorizou a imediata liberação de verbas para ajudar os infelizes sobreviventes da tragédia carioca.

Sinais de mudança
Montou um governo pra chamar de seu. Boa parte dos antigos colegas de ministérios nos anos Lula da Silva não voltou à Esplanada. Trouxe gente nova, como é o caso de Ana de Hollanda para a Cultura, evitou o fatiamento das estatais não entregando seu comando a partidos de sua base de sustentação. Pagou pra ver e viu. Assistiu à gritaria por um salário mínimo superior aos R$ 545,00 oferecidos por sua equipe econômica; não recuou, ao contrário, autorizou seus apoiadores no Congresso Nacional a levarem logo o tema a voto. Ganhou, e bem, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. E assim ficou conhecendo quem merecia e quem não merecia sua confiança nas duas Casas do Congresso.

Barack Obama veio ao Brasil e a presidenta o recebeu com elegância porém com firmeza, chegou mesmo a convidar os ex-presidentes para recepção ao colega americano nos belos salões do Itamaraty. Aceitaram o convite José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Luiz Inácio Lula da Silva, o único que o convidado chamou de 'o cara', simplesmente não deu as caras. E ficou por isso mesmo, não obstante o esperneio da grande imprensa com 'tamanha desfeita' para com o primeiro presidente negro a ocupar a Casa Branca.

Dilma diz e repete a quem quiser ouvir que a liberdade de imprensa é sagrada. E não fala isso para agradar a imprensa ou para lhe parecer meramente amistosa. A verdade é que a presidenta não se sente nem um pouco incomodada com as manhas e artimanhas da grande imprensa. Parece estar sempre a nos dizer que nossa grande imprensa 'não fede nem cheira'. E articulou com maestria para retirar da presidência da Vale, nosso principal portento empresarial na cena internacional, o economista Roger Agnelli, empresário queridinho da vasta maioria dos líderes da oposição e arrebatador da simpatia da totalidade de nossos comentaristas de política e economia, nos jornais e revistas, nas rádios e nos telejornais. Dilma bancou o nome de Tito Botelho Martins e o Bradesco e demais acionistas o referendaram. Simples assim.

A presidenta voltou também à carga na cena internacional. É que pela primeira vez em oito anos o Brasil votou – no dia 24/3/2011 – contra o Irã em um organismo da ONU, o Conselho de Direitos Humanos. O órgão aprovou por 22 votos a favor, 7 contra e 14 abstenções a designação de um relator especial para investigar denúncias de violações de direitos humanos no país persa. Trata-se de uma sinalização de mudança no governo Dilma Rousseff em relação ao de Lula, que vinha evitando críticas ao Irã. Desnecessário dizer que quem mais festejou a mudança do voto brasileiro foi nossa imprensa... afinal, estamos novamente ao lado dos 'mocinhos', aqueles que controlam com mão de ferro o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O rumo e o remo
E como a imprensa se comportou nesses 100 dias? Foi o comportamento típico de quem espera cenários apocalípticos e, por um choque de realidade, se vê às voltas com uma normalidade política, econômica e institucional como há muito tempo não víamos no país. É que a grande imprensa jogou todas as suas fichas na certeza de que os temores (ou tremores?) da oposição demo-tucana iriam se concretizar com o avanço regular dos dias no calendário. E isso, com absoluta certeza, não aconteceu. É como se nossa grande imprensa não soubesse distinguir o que é propaganda política do que é realidade política. E também não soubesse separar até onde vai a militância política na imprensa e onde começa o verdadeiro trabalho jornalístico.

Os principais devaneios dessa imprensa se alternaram entre os seguintes blocos de temas principais:

1. Ruptura política (e quase) imediata da presidenta com o ex-presidente Lula;

2. Reconhecimento de uma herança pra lá de maldita nas contas públicas da União;

3. Formação de um ministério capenga, altamente fisiológico para atender ao imenso arco de alianças partidárias que lhe sustentaram a vitória na corrida para o Planalto.

Alheia à falta do que fazer de tantas editorias de Política, ressalte-se que ainda na segunda-feira (28/3), a presidenta Dilma voltou a afirmar que que 'recebeu um país diferente, em condições de dar um salto maior ainda do que Lula conseguiu dar em seu primeiro mandato'. E não ficou por aí: 'Ele me legou essa herança e, tenham certeza, vou honrá-la'.

Constatando que esse labirinto de ideias disparatadas não apresentariam no curto prazo qualquer porta de saída, a imprensa vistosa passou a semear diferenças entre o governo Lula e o governo Dilma. Foram generosos com Dilma ao louvar repetidas vezes sua discrição, seu jeito pouco afeito às câmeras, holofotes e microfones. E ressentidos ao tratar todo elogio à postura da presidenta como um petardo certeiro à postura do ex-presidente Lula. A pauta, o foco e o interesse dos colunistas da imprensa escrita – normalmente amparados nas marquises de O Estado de S.Paulo, a Folha de S.Paulo, O Globo, Veja e Época – tem sido o de elogiar a presidenta ao tempo em que trata de desmerecer seu antecessor no cargo. Um jogo de claro-escuro em que muitas vezes é apenas claro ou apenas escuro.

Não faltam colunistas se debatendo para encher suas colunas com algo que seja minimamente inteligente ou, na falta dessa qualidade, minimamente sensato. É o caso de Merval Pereira, que recentemente escreveu que 'a presidenta Dilma Rousseff está acertando onde Lula havia errado e errando onde Lula havia acertado'. Esta percepção de Pereira demonstra à larga a boa vontade com que nossa grande imprensa se esforça para oferecer uma cobertura equilibrada e justa à ocupante da Presidência da República.

Não há quem não veja a oposição ao governo Dilma Rousseff como desorientada, sem discurso, inábil e inapta para conduzir temas cruciais para o futuro do país como as reformas política, tributária e a nunca esquecida reforma previdenciária. E se não consegue se organizar ao menos para debater temas como esses, como imaginar que poderiam formar um contingente oposicionista bem qualificado para se opor às políticas de governo mantidas ou criadas por Dilma Rousseff?

Meu avô Venâncio Zacarias, velho líder salineiro, político calejado nos grotões do Rio Grande do Norte, diria que a oposição atual está 'sem rumo e sem remo', e que nem 'com o vento soprando a seu favor consegue seguir adiante'. Sei não, a continuar nesse trote, a cobertura política do Planalto poderá deslocar muitos de seus vistosos colunistas para engrossar as editorias de Esportes, Mundo e Ecologia.

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com


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terça-feira, 5 de abril de 2011

Na década da biodiversidade, o ano internacional das florestas

Carta Maior:

"Na década da biodiversidade, o ano internacional das florestas
Para iniciar a década, 2011 foi proclamado o Ano Internacional das Florestas. O que se coloca em discussão, neste primeiro ano, é o manejo sustentável de todos os tipos de florestas mundiais, como forma de conter a taxa – alarmante – de desmatamento e degradação. Hoje, restam no mundo pouco mais de 20% da cobertura florestal original. Números da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que, de 2000 a 2010, a cada ano, globalmente, 13 milhões de hectares desses remanescentes foram convertidos para outros usos. O artigo é de Malu Nunes.

Malu Nunes

Depois de 2010 ter sido o Ano Internacional da Biodiversidade, as Nações Unidas anunciaram o período de 2011 a 2020 como a Década da Biodiversidade. O objetivo central dessas celebrações é inserir como pauta prioritária na agenda de governos e da população mundial a preservação do patrimônio natural, propagando a ideia de que ela é essencial para a manutenção de toda a vida no planeta, o combate às mudanças climáticas e a sustentação da economia global.

Para iniciar a década, 2011 foi proclamado o Ano Internacional das Florestas. O que se coloca em discussão, neste primeiro ano, é o manejo sustentável de todos os tipos de florestas mundiais, como forma de conter a taxa – alarmante – de desmatamento e degradação. Hoje, restam no mundo pouco mais de 20% da cobertura florestal original. Números da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que, de 2000 a 2010, a cada ano, globalmente, 13 milhões de hectares desses remanescentes foram convertidos para outros usos. No Brasil, que está entre os cinco países que mais detêm florestas, a perda chegou a 2,6 milhões de hectares anuais. As taxas são menores do que os 16 milhões mundiais e 2,9 milhões nacionais perdidos a cada ano nos anos 1990, mas ainda são assustadoras pelos impactos e perdas a elas associados.

Como conservacionista, é necessário que eu diga: é preciso frear essa destruição. Isso porque, como me parece lógico, não podemos nem destruir e nem usufruir de todo o espaço de terra florestada que existe no planeta. Até por questões éticas: para ocupar tudo, teríamos que extinguir outras formas de vida. No entanto, a principal razão em jogo é a nossa sobrevivência e qualidade de vida. Permitir a degradação significa prejudicar o fornecimento de serviços ecossistêmicos essenciais para a vida humana, como a produção de água doce, regulação do clima e a manutenção da qualidade do ar e do solo. Sem esses benefícios, garantir a vida no planeta como concebemos hoje é uma tarefa impossível. Além disso, o desmatamento contribui para o aumento das mudanças climáticas.

Diante deste cenário, a melhor estratégia para se manter uma parcela indispensável de diversidade biológica, viabilizar sua evolução e os serviços ecossistêmicos providos por ela, bem como manter os estoques de carbono, é preservar em perpetuidade grandes áreas nas suas condições naturais, por meio de unidades de conservação, onde possa sobreviver por tempo indefinido o maior número possível de espécies.

A boa notícia é que, em outubro de 2010, o Brasil e outros países membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) aprovaram na conferência de Nagoya um plano que tem como uma das metas elevar para 17% a proteção de habitats terrestre até 2020. Atualmente, as áreas de floresta destinadas à conservação da biodiversidade somam 12% do total de remanescentes, mas estão irregularmente distribuídas. Outro compromisso assumido pelo país, no âmbito da Convenção sobre Mudança do Clima, foi o de reduzir suas emissões de gases do efeito estufa, principalmente as derivadas do desmatamento.

Porém, apesar destes planos e da posição de protagonista nas últimas conferências das convenções das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica e sobre Mudança do Clima, o Brasil caminha para uma contradição em termos de posicionamento político. Enquanto externamente o país defende a permanência das florestas e outras áreas naturais, internamente pode vir a dar um retrocesso de proporções desastrosas. Como garantir o cumprimento dos compromissos assumidos caso as propostas de alteração do Código Florestal, que reduzem consideravelmente nossas áreas de floresta, sejam aprovadas neste ano?

Em vez de adaptar a lei a favor de quem não a cumpriu, uma forma de garantir esses compromissos seria favorecer aqueles que sempre mantiveram suas reservas legais e Áreas de Preservação Permanente (APPs), contribuindo para a manutenção da qualidade do ambiente e das atividades produtivas. Nos últimos anos, surgiram diversas alternativas que inserem indivíduos e iniciativa privada em ações de proteção à biodiversidade que beneficiam toda a sociedade. O Brasil dispõe, por exemplo, de mecanismos inovadores de pagamentos de serviços ecossistêmicos, a exemplo do Projeto Oásis, que premia financeiramente proprietários particulares de terra em regiões de manancial de São Paulo e Apucarana (PR) por conservarem suas áreas naturais. A Certificação Life, surgida no Paraná e idealizada por um grupo de instituições não-governamentais e empresas, é outro exemplo. Ela atende, inclusive, uma demanda da própria CDB, além de ser uma ferramenta que viabiliza a inserção concreta das empresas na conservação da natureza.

Em uma época em que ser responsável, de fato, é um diferencial para as empresas, vale a pena investir no pioneirismo e aderir a causas efetivamente prodigiosas neste campo. Esses mecanismos, complementares aos esforços públicos para a implementação de unidades de conservação e outras áreas protegidas, podem servir de base para políticas públicas e serem implantados em larga escala no país.

O Brasil possui maneiras de contornar suas dificuldades, cumprir seus compromissos e legitimar seu papel de protagonista no cenário mundial. Só precisa encarar o desafio de implementá-las de forma rápida, abrangente e competente, pois as cobranças virão de dentro e fora. Internacionalmente, com os eventos do Florestas 2011, da Década da Biodiversidade, das convenções da ONU e da Rio+20 em 2012, o país ficará cada vez mais em evidência, já que detém grande parte das riquezas naturais globais, incluindo a maior floresta tropical, a Amazônia. Nacionalmente, a sociedade já não aceita mais tão facilmente o discurso de que o meio ambiente é entrave para o desenvolvimento e proclama que soluções efetivas sejam postas em práticas contra o desrespeito pela natureza e pela nossa existência. Nos dois cenários, aqui dentro e lá fora, o governo precisa desempenhar um papel decisivo para que não venha a se arrepender depois.

(*) Malu Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.


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Midia, fanatismo e intolerancia

Observatório da Imprensa:

"Mídia, fanatismo e intolerância

Por Alberto Dines

A imprensa não soube se colocar no caso das duas chacinas promovidas pelos talibãs no Afeganistão como represália pela queima de uma exemplar do Alcorão num pequeno templo na Flórida (EUA). Foram assassinadas vinte pessoas, algumas decapitadas, a maioria composta por funcionários da ONU.

No ano passado, pouco antes do 11 de setembro, o alucinado pastor pentecostal Terry Jones fez a primeira tentativa de queimar o Alcorão e, diante da fortíssima reação das mais altas autoridades dos Estados Unidos, desistiu.

Agora, depois de fazer uma enquete na internet, sentiu-se legitimado e foi adiante numa cerimônia realizada no dia 20 de março. A queima do Alcorão só chegou ao conhecimento dos talibãs graças ao protesto do governo afegão.

Postura conservadora

A reação mundial às chacinas é de horror, mas a mídia internacional não acompanhou o presidente Barack Obama – que, além de condenar a barbaridade, denunciou de forma contundente a provocação do desatinado Terry Jones, fanático militante da extrema direita americana. Ele usa um título de doutor em teologia que nunca obteve, anda com uma pistola calibre 40 e se confessa seguidor de outro fanático, o ator Mel Gibson.

A queima do Alcorão não foi um ato religioso, foi um ato de terrorismo político. Há uma clara diferença entre a livre manifestação de idéias e esta afronta ao poder do Estado que já o advertira sobre os perigos de sua pregação.

Há muitas semelhanças entre as posições extremadas de Terry Jones e os seguidores do Tea Party, um dos quais matou em janeiro seis pessoas no Arizona e feriu com um tiro na cabeça uma deputada democrata.

A grande mídia internacional tem todo o direito de manter posições conservadoras, mas não pode ser cúmplice da intolerância e do fanatismo político-religioso que pode incendiar o mundo árabe justamente quando este começa a lutar pela democracia.

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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Hegemonia e Império

Carta Maior - José Luís Fiori:




Hegemonia e Império
O passeio da família Obama aos trópicos e a retórica simpática e amena do presidente americano serviram para demonstrar como funciona, na prática, o “tratamento entre iguais”, quando um deles é um Império. Uma lembrança oportuna, porque se tornou lugar comum, na imprensa e na academia - à direita e à esquerda - falar do declínio do poder americano.

José Luís Fiori

O passeio de fim de semana da família Obama ao Brasil passaria à história como um acontecimento turístico carioca e uma gentileza internacional, se não tivesse coincidido com o desastre nuclear do Japão, e com o início do bombardeio aéreo da Líbia. Em particular, porque a decisão dos EUA de atacarem o país norte-africano, foi tomada no território brasileiro, um pouco antes do jantar festivo que o Itamaraty ofereceu à deleção norte-americana. Esta decisão, sobretudo, serviu para relembrar aos mais apressados, que os EUA seguem sendo a única potência mundial com “direito” de decidir - onde e quando quiser – e com a capacidade de fazer intervenções militares imediatas, em qualquer conflito, ao redor do mundo. Uma lembrança oportuna, porque se tornou lugar comum, na imprensa e na academia - à direita e à esquerda - falar do declínio do poder americano, enquanto se acumulam as evidências no sentido contrário.

Depois de 1991, e em particular depois do fim da URSS, a Europa deixou de ser o centro de gravidade do sistema internacional, que passou para o outro lado do Atlântico. E ao mesmo tempo, os EUA se transformaram na “cabeça” de um novo tipo de “poder global”. Um império que não é colonial, não tem estrutura formal, e que possui fronteiras flexíveis, que são definidas em cada caso, em última instância, pelo poder naval e financeiro dos EUA E desde o início do século XXI, os EUA estão enfrentando as contradições, os problemas, e as trepidações produzidas por esta transição e esta mudança de status: da condição de uma “potência hegemônica”, restrita ao mundo capitalista, até a década de 1980, para a condição de “potência imperial global”. Hoje, é impossível prever como será administrado este novo tipo de Império, no futuro. Porque ele segue sendo nacional e terá que terá que conviver, ao mesmo tempo, com cerca de outros duzentos estados que são ou se consideram soberanos. E além disto, porque dentro deste sistema, a expansão do poder americano é a principal responsável pela multiplicação dos seus concorrentes, na luta pelas hegemonias regionais, dentro do sistema mundia.

O que está se assistindo, neste momento, é uma mudança na administração do poder global dos EUA. Este processo está em pleno curso, mas será longo e complicado, envolvendo divisões e lutas dentro e fora da sociedade e do establishment norte-americano. Mesmo assim, o mais provável é que ao final deste processo, os EUA adotem uma posição cada vez mais distante e “arbitral” com relação aos seus antigos sócios, e em todas as regiões geopolíticas do mundo. Estimulando as divisões internas e os “equilíbrios regionais” de poder, jogando os seus próprios aliados, uns contra os outros, e só intervindo diretamente em última instancia, segundo o modelo clássico do Império Britânico.

Este novo tipo de poder imperial dos EUA não exclui a possibilidade de guerras, ou de fracassos militares localizados, como no Iraque ou Afeganistão, nem a possibilidade de crises financeiras, como a de 2008. Estas crises financeiras não deverão alterar a hierarquia econômica internacional, enquanto o governo e os capitais americanos puderem repassar os seus custos, para as demais potências econômicas do sistema. E as guerras ou fracassos militares localizado seguirão sem importância enquanto não ameaçarem a supremacia naval dos EUA em todos os oceanos e mares do mundo, e enquanto não escalarem na direção de uma “guerra hegemônica” capaz de atingir a supremacia militar norte-americana.

De qualquer forma, é óbvio que este novo poder imperial não é absoluto nem será eterno. Como já foi dito, sua expansão contínua cria e fortalece poderes concorrentes, e desestabiliza e destrói os “equilíbrios” e as instituições, criadas pelos próprios EUA, estimulando a formação de “coalizões de poder” regionais que acabarão desmembrando aos poucos o seu poder imperial, como aconteceu com o Império Romano. Por outro lado, a nova engenharia econômica mundial deslocou o centro da acumulação capitalista e transformou a China numa economia com poder de gravitação quase equivalente ao dos Estados Unidos. Esta nova geo-economia internacional, intensifica a competição capitalista, e já deu início à uma “corrida imperialista”, cada vez intensa na África e na América do Sul, aumentando a possibilidade e o número dos conflitos localizados entre as Grandes Potências. Além disso, o poder imperial americano deverá enfrentar uma perda de legitimidade crônica dentro dos EUA, porque a diversidade e a complexidade nacional, étnica e civilizatória do seu império, é absolutamente incompatível com a defesa e a preservação de qualquer tipo ou sistema de valores universais, ao contrário do que sonha uma boa parte da sociedade norte-americana.

De qualquer maneira, o passeio da família Obama aos trópicos e a retórica simpática e amena do presidente americano serviram para demonstrar como funciona na prática, o “tratamento entre iguais”, quando um deles é um Império.


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