sábado, 29 de maio de 2010
Da Carta Maior:Lula, as elites e o vira-latas
DEBATE ABERTO
Lula, as elites e o vira-latas
É extremamente interessante que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o silêncio!
Francisco Carlos Teixeira
Seguindo outros grandes meios de comunicação globais, a revista Time escolheu – na semana passada - o presidente Lula como o líder mais influente do mundo. A notícia repercutiu em todo o mundo, sendo matéria de primeira página, no jornalão El País.
Elite e preconceito
Na verdade a matéria o apontava como o homem mais influente do mundo, posto que nem só políticos fossem alinhados na larga lista composta pelo Time. Esta não é a primeira vez que Lula merece amplo destaque na imprensa mundial. Os jornais Le Monde, de Paris, e o El País, o mais importante meio de comunicação em língua espanhola (e muito atento aos temas latino-americanos) já haviam, na virada de 2009, destacado Lula como o “homem do ano”. O inédito desta feita, com a revista Time, foi fazer uma lista, incluindo aí homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. Entre os quais está o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945, o presidente do Brasil aparece como o mais influente de todas as personalidades globais. Por si só, dado o ponto de partida da trajetória de Lula e as deficiências de formação notórias é um fato que merece toda a atenção. No Brasil a trajetória de Lula tornou-se um símbolo contra toda a forma de exclusão e um cabal desmentido aos preconceitos culturalistas que pouco se esforçam para disfarçar o preconceito social e de classe.
É extremamente interessante, inclusive para uma sociologia das elites nacionais, que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com grande déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o silêncio sepulcral!
Lula Líder Mundial
Desde 2007 a imprensa mundial, depois de colocá-lo ao lado de líderes cubanos e nicaraguenhos num pretenso “eixinho do mal”, teve que aceitar a importância da presença de Lula nas relações internacionais e reconhecer a existência de uma personalidade original, complexa e desprovida de complexos neocoloniais. Em 2008 a Newsweek, seguida pela Forbes, admitiam Lula como um personagem de alcance mundial. O conservador Financial Times declarava, em 2009, que Lula, “com charme e habilidade política” era um dos homens que haviam moldado a primeira década do século XXI. Suas ações, em prol da paz, das negociações e dos programas de combate à pobreza eram responsáveis pela melhor atenção dada, globalmente, aos pobres e desprovidos do mundo.
Mesmo no momento da invasão do Iraque, em busca das propaladas “armas de destruição em massa”, Lula havia proposto a continuidade das negociações e declarado que a guerra contra a fome era mais importante que sustentar o complexo industrial-militar norte-americano.
Em 2010, em meio a uma polêmica bastante desinformada no Brasil – quando alguns meios de comunicação nacionais ridicularizaram as propostas de negociação para a contínua crise no Oriente Médio – o jornal israelense Haaretz – um importante meio de comunicação marcado por sua independência – denominou Lula de “profeta da paz”, destacando sua insistência em buscar soluções negociadas para a paz. Enquanto isso, boa parte da mídia brasileira, fazendo eco à extrema-direita israelense, procurava diminuir o papel do Brasil na nova ordem mundial.
Lula, talvez mesmo sem saber, utilizando-se de sua habilidade política e de seu incrível sentido de negociações, repetia, nos mais graves dossiês internacionais, a máxima de Raymond Aron: a paz se negocia com inimigos. As exigências, descabidas e mal camufladas de recusa ás negociações, sempre baseadas em imposições, foram denunciadas pelo presidente brasileiro. Idéias pré-concebidas estabelecendo a necessidade de mudar regimes para se ter a paz ou usar as baionetas para garantir a democracia foram consideradas, como sempre, desculpas para novas guerras. Lula mostrou-se, em várias das mais espinhosas crises internacionais, um negociador permanente. Foi assim na crise do golpe de Estado na Venezuela em 2002 (quando ainda era candidato) e nas demais crises sul-americanas, como na Bolívia, com o Equador e como mediador em crises entre outros países.
Lula negociador
O mais surpreendente é que o reconhecimento internacional do presidente brasileiro não traz qualquer orgulho para a elite brasileira. Ao contrário. Lula foi ridicularizado por sua política no Oriente Médio. Enquanto isso o presidente de Israel, Shimon Perez ou o Grande-Rabino daquele país solicitavam o uso do livre trânsito do presidente para intervir junto ao irascível presidente do Irã. Dizia-se aqui que Lula ofendera Israel, enquanto o Haaretz o chamava de “profeta da paz” e a Knesset (o parlamento de Israel) o aplaudia em pé. No mesmo momento o Brasil assinava importantes acordos comerciais com Israel.
Ridicularizou-se ao extremo a atuação brasileira em Honduras, sem perceber a terrível porta que se abria com um golpe militar no continente. Lula teve a firmeza e a coragem, contra a opinião pública pessimamente informada, de dizer e que “... a época de se arrancar presidentes de pijama” do palácio do governo e expulsá-los do país pertencia, definitivamente, a noite dos tempos.
Honduras teve que arcar com o peso, e os prejuízos, de sustentar uma elite empedernida, que escrevera na constituição, após anos de domínio ditatorial, que as leis, o mundo e a vida não podem ser mudados. Nem mesmo através da expressa vontade do povo! E a elite brasileira preferiu ficar ao lado dos golpistas hondurenhos e aceitar um precedente tenebroso para todo o continente.
Brasil, país no mundo!
Também se ridicularizou a abertura das relações do Brasil com o conjunto do planeta. Em oito anos abriu-se mais de sessenta novas representações no exterior, tornando o Brasil um país global. Os nostálgicos do “circuito Helena Rubinstein” – relações privilegiadas com Nova York, Londres e Paris – choraram a “proletarização” de nossas relações. Com a crise econômica global – que desmentiu os credos fundamentalistas neoliberais – a expansão do Brasil pelo mundo, os novos acordos comerciais (ao lado de um mercado interno robusto) impediram o Brasil de cair de joelhos. Outros países, atrelados ao eixo norte-atlântico e aqueles que aceitaram uma “pequena Alca”, como o México, debatem-se no fundo de suas infelicidades. Lula foi ridicularizado quando falou em “marolhinha”. Em seguida o ex-poderoso e o ex-centro anti-povos chamado FMI, declarou as medidas do governo Lula como as mais acertadas no conjunto do arsenal anti-crise.
Mais uma vez silêncio das elites brasileiras!
Lula foi considerado fomentador da preguiça e da miséria ao ampliar, recriar, e expandir ações de redistribuição de renda no país. A miséria encolheu e mais de 91 milhões de brasileiros ascenderam para vivenciar novos patamares de dignidade social... A elite disse que era apoiar o vício da preguiça, ecoando, desta feita sabendo, as ofensas coloniais sobre “nativos” preguiçosos. Era a retro-alimentação do mito da “pereza ibérica”. Uma ajuda de meio salário, temporária, merece por parte da elite um bombardeio constante. A corrupção em larga escala, dez vezes mais cara e improdutiva ao país que o Bolsa Família, e da qual a elite nacional não é estranha, nunca foi alvo de tantos ataques.
A ONU acabou escolhendo o Programa Bolsa Família como símbolo mundial do resgate dos desfavorecidos. O ultra-conservador jornal britânico The Economist o considerou um modelo de ação para todos os países tocados pela pobreza e o Le Monde como ação modelar de inclusão social.
Mais uma vez a elite nacional manteve-se em silêncio!
Em suma, quando a influente revista, sem anúncios do governo brasileiro, Time escolhe Lula como o líder mais influente do mundo, a mídia brasileira “esquece” de noticiar. Nas páginas internas, tão encolhidas como um vira-lata em dia de chuva noticia-se que Lula “... está entre os 25 lideres mais influentes do mundo”. Errado! A lista colocava Lula como “o mais” influente do mundo.
Agora se espera o silêncio da elite brasileira!
Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
MST :PLATAFORMA POLÍTICA PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
PLATAFORMA POLÍTICA PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
As transformações do mundo nas últimas décadas fizeram com que o centro de acumulação do capital fosse para a esfera financeira e para as corporações transnacionais. Isso trouxe graves consequências e promoveu um enfrentamento crescente entre dois modelos de produção na agricultura. O modelo dos capitalistas é uma aliança entre grandes proprietários de terras, empresas transnacionais e sistema financeiro. As empresas fornecem insumos, compram os produtos, controlam o mercado e fixam preços dos produtos agrícolas.
Os grandes proprietários (cerca de apenas 40 mil, que possuem mais de mil hectares) entram com a terra, destruindo a biodiversidade e superexplorando os trabalhadores, para repartir a taxa de lucro da agricultura das empresas. Esse modelo foi autodenominado de agronegócio. Adota a monocultura, para ampliar a escala de produção, com o uso intensivo de venenos e maquinaria pesada. O agronegócio ainda aumenta a concentração da terra. O Censo de 2006 aponta que a concentração da terra é maior do que na década de 1920.
Propomos outro modelo de agricultura, que priorize a produção diversificada, máquinas agrícolas adequadas a pequenas unidades, agroindústrias cooperativadas e técnicas agroecológicas. Em vez de priorizar o lucro de grandes empresas e fazendeiros, temos que respeitar o equilíbrio do ambiente, produzir alimentos sadios, fortalecer o mercado interno, aproximando produtores e consumidores. Nossa proposta de Reforma Agrária Popular é a adoção desse modelo, e não apenas distribuir lotes para os sem-terra.
O que está em jogo é a organização da agricultura brasileira. Não se trata apenas de uma disputa da agricultura familiar e dos sem terras contra o latifúndio e o agronegócio. Esperamos que a sociedade compreenda as diferenças desses dois modelos agrícolas. Defendemos o desenvolvimento para a população que vive no meio rural, com preservação ambiental e produção de alimentos saudáveis. O agronegócio é incapaz de garantir isso.
É preciso, nesse período eleitoral, cobrar dos candidatos posições claras. Apresentamos abaixo a plataforma para a agricultura brasileira defendida pelos movimentos da Via Campesina.
PLATAFORMA POLÍTICA PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
Ao povo brasileiro e às organizações populares do campo e da cidade
O atual modelo agrícola imposto ao Brasil pelas forças do capital e das grandes empresas é prejudicial aos interesses do povo. Ele transforma tudo em mercadoria: alimentos, bens da natureza (como água, terra, biodiversidade e sementes.) e se organiza com o único objetivo de aumentar o lucro das grandes empresas, das corporações transnacionais e dos bancos.
Nós precisamos urgentemente construir um novo modelo agrícola baseado na busca constante de uma sociedade mais justa e igualitária, que produza suas necessidades em equilíbrio com o meio ambiente. Por isso, fazemos algumas considerações e convidamos o povo brasileiro a refletir e decidir qual é o modelo de agricultura que quer para o nosso país.
I – A NATUREZA DO ATUAL MODELO AGRÍCOLA
O atual modelo agrícola, chamado de agronegócio, tem como principais características:
1.Organizar a produção agrícola sob controle dos grandes proprietários de terra e empresas transnacionais, que exploram os trabalhadores agrícolas e têm o domínio sobre: produção, comércio, insumos e sementes.
2.Priorizar a produção na forma de monocultivos extensivos, em grande escala, que afetam o ambiente e exige grandes quantidades venenos, que prejudicam a saúde e a qualidade dos alimentos. O Brasil consome mais de um bilhão de litros de veneno por ano, se transformando no maior consumidor mundial!
3.Organizar o monocultivo florestal, como o de eucalipto e pínus, que destroem o ambiente, a biodiversidade, estragam a terra, geram desemprego, destinando a produção para exportação, dando lucro para as transnacionais e nos deixando a degradação social e ambiental.
4.Incentivar a ampliação da área de monocultivo de cana-de-açúcar para produção de etanol, para exportação. Novamente, causando prejuízos ao ambiente, elevando o preço dos alimentos, a concentração da propriedade da terra e desnacionalizando o setor da produção do açúcar e álcool.
5.Difundir o uso das sementes transgênicas, que destroem a biodiversidade e eliminam todas as nossas sementes nativas. As sementes transgênicas não conseguem conviver com outras variedades e contaminam as demais, resultando, a médio prazo, a existência de apenas sementes controladas por empresas transnacionais. Com o controle das sementes, essas empresas cobram royalties, vendem agrotóxicos de suas próprias indústrias e pressionam governos a adotarem políticas dos seus interesses.
6.Incentivar o desmatamento da floresta amazônica e a destruição dos babaçuais, através da expansão da pecuária, soja, eucalipto e cana, e para exportação de madeira e minérios. Somos contra a lei que autoriza a exploração privada das florestas públicas.
Diante da gravidade da situação, denunciamos à sociedade brasileira:
1.O modelo do agronegócio protege a exploração do trabalho escravo, do trabalho infantil e a superexploração dos assalariados rurais, sem garantir os direitos trabalhistas e previdenciários e as mínimas condições de transporte e de vida nas fazendas. Por isso, a bancada ruralista nunca aceitou votar o projeto que penaliza fazendas com trabalho escravo, já aprovado no Senado.
2.O projeto de lei do senador Sergio Zambiasi (PTB-RS), que pretende diminuir a proibição de propriedades estrangeiras na faixa de fronteira de todo pais, regularizam as terras em situação de ilegalidade e crime de empresas estrangeiras na fronteira, como a Stora Enso e a seita Moon.
3.As obras de transposição do Rio São Francisco visa apenas beneficiar o agronegócio, o hidronegócio e a produção para exportação, e a expansão da cana, na região nordeste, e não atende as necessidades dos milhões de camponeses que vivem no Semi-Árido.
4.A crescente privatização da propriedade da água por empresas, sobretudo estrangeiras, como a Nestlé, Coca-cola e Suez, entre outras.
5.O atual modelo energético prioriza as grandes hidrelétricas, principalmente na Amazônia, e transforma a energia em mercadoria. Privatiza, destrói e polui o ambiente, aumenta cada vez mais as tarifas da energia elétrica ao povo brasileiro, privilegia os grandes consumidores eletrointensivos e entrega o controle da energia às grandes corporações multinacionais, colocando em risco a soberania nacional.
6.As tentativas de modificação no atual Código Florestal, proposto pela bancada ruralista a serviço do agronegócio, autoriza o desmatamento das áreas, buscando apenas o lucro fácil.
7.As articulações das empresas transnacionais, falsas entidades ambientalistas e alguns governos do hemisfério Norte querem transformar o meio ambiente em simples mercadoria. E introduzir títulos de créditos de carbono negociáveis nas bolsas de valores - inclusive para isentar as empresas poluidoras do Norte - e gerar oportunidades de lucro para empresas do Sul, enquanto as agressões ao meio ambiente seguem livremente pelo capital.
8.As políticas que privatizam o direito de pesca, desequilibram o meio ambiente nos rios e no mar e inviabilizam a pesca artesanal, da qual dependem milhões de brasileiros.
9.A lei recentemente aprovada que legaliza a grilagem, regularizando as áreas públicas invadidas na Amazônia até 1500 hectares por pessoa (antes era permitido legalizar apenas até 100 hectares). Somos contra o projeto de lei do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) que reduz a Reserva Florestal na Amazônia em cada propriedade de 80% para 50%.
II – PROPOMOS UM NOVO PROGRAMA PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
Um programa que seja baseado nas seguintes diretrizes:
1.Implementar um programa agrícola e hídrico, que priorize a soberania alimentar de nosso país, estimule a produção de alimentos sadios, a diversificação da agricultura, a Reforma Agrária, como ampla democratização da propriedade da terra, a distribuição de renda produzida na agricultura e fixação da população no meio rural brasileiro.
2.Impedir a concentração da propriedade privada da terra, das florestas e da água. Fazer uma ampla distribuição das maiores fazendas, instituindo um limite de tamanho máximo da propriedade de bens da natureza.
3.Assegurar que a agricultura brasileira seja controlada pelos brasileiros e que tenha como base a produção de alimentos sadios, a organização de agroindústrias na forma cooperativas em todos os municípios do país.
4.Incentivar a produção diversificada, na forma de policultura, priorizando a produção camponesa.
5.Adotar técnicas de produção que buscam o aumento da produtividade do trabalho e da terra, respeitando o ambiente e a agroecologia. Combater progressivamente o uso de agrotóxicos, que contaminam os alimentos e a natureza.
6.Adotar a produção de celulose em pequenas unidades, sem monocultivo extensivo, buscando atender as necessidades brasileiras, em escala de agroindústrias menores.
7.Defender a “política de desmatamento zero” na Amazônia e Cerrado, preservando a riqueza e usando os recursos naturais de forma adequada e em favor do povo que lá vive. Defender o direito coletivo da exploração dos babaçuais.
8.Preservar, difundir e multiplicar as sementes nativas e melhoradas, de acordo com nosso clima e biomas, para que todos os agricultores tenham acesso.
9.Penalizar rigorosamente todas as empresas e fazendeiros que desmatam e poluem o meio ambiente.
10.Implementar as medidas propostas pela Agência Nacional de Águas (Atlas do Nordeste), que prevê obras e investimentos em cada município do Semi-Árido, que com menor custo resolveria o problema de água de todos os camponeses e população residente na região.
11.Assegurar que a água, como um bem da natureza, seja um direito de todo cidadão. Não pode ser uma mercadoria e deve ser gerenciada como um bem público, acessível a todos e todas. Defendemos um programa de preservação de nossos aquíferos, como as nascentes das três principais bacias no cerrado, o aquífero guarani e a mais recente descoberta do aquífero alter do chão, na região amazônica.
12.Implementar um novo projeto energético popular para o país, baseado na soberania energética e garantir o controle da energia e de suas fontes a serviço do povo brasileiro. Assegurar que o planejamento, produção, distribuição da energia e de suas fontes estejam sob controle do povo brasileiro. Também, estimular todas as múltiplas formas de fontes de energia, com prioridade para as potencialidades locais e de uso popular. Exigir a imediata revisão das atuais tarifas de energia elétrica cobradas à população, garantindo o acesso a todos a preços compatíveis com a renda do povo brasileiro
13.Regularizar todas as terras quilombolas em todo país.
14.Proibir a aquisição de terras brasileiras por empresas transnacionais e “seus laranjas”, acima do modulo familiar.
15.Demarcar imediatamente todas as áreas indígenas e promover a retirada de todos os fazendeiros invasores, em especial nas áreas dos guaranis no Mato Grosso do Sul.
16.Promover a defesa de políticas públicas para agricultura, por meio do Estado, que garantam:
a) Prioridade para a produção de alimentos para o mercado interno;
b) Preços rentáveis aos pequenos agricultores, garantindo a compra pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab);
c) Uma nova política de crédito rural, em especial para investimento nos pequenos e médios estabelecimentos agrícolas;
d) Uma política de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) definida a partir das necessidades dos camponeses e da produção de alimentos sadios;
e) Adequar a legislação sanitária da produção agroindustrial às condições da agricultura camponesa e das pequenas agroindústrias, ampliando as possibilidades de produção de alimentos;
f) Políticas publicas para a agricultura direcionadas e adequadas às realidades regionais.
17.Garantir a manutenção do caráter público, universal, solidário e redistributivista da seguridade social no Brasil, como garantia a todos trabalhadores e trabalhadoras da agricultura. Garantir o orçamento para a Previdência Social e a ampliação dos direitos sociais a todos trabalhadores e trabalhadoras, como os que estão na informalidade e os trabalhadores domésticos.
18.Rever o atual modelo de transporte individual, e desenvolver um programa nacional de transporte coletivo, que priorize os sistemas ferroviário, metrô, hidrovias, que usam menos energia, são menos poluentes e mais acessíveis a toda população.
19.Assegurar a educação no campo, implementando um amplo programa de escolarização no no meio rural, adequados à realidade de cada região, que busque elevar o nível de consciência social dos camponeses, universalizar o acesso dos jovens a todos os níveis de escolarização e, em especial, ao ensino médio e superior. Desenvolver uma campanha massiva de alfabetização de todos adultos.
20.Mudar os acordos internacionais da Organização Mundial do Comércio (OMC), União Europeia-Mercosul, convenções e conferencias no âmbito das Nações Unidas, que defendem apenas os interesses do capital internacional, do livre comércio, em detrimento dos camponeses e dos interesses dos povos do sul.
21.Aprovar a lei que determina expropriação de toda fazenda com trabalho escravo. Impor pesadas multas às fazendas que não respeitam as leis trabalhistas e previdenciárias. Revogação da lei que possibilita contratação temporária de assalariados rurais, sem carteira assinada.
Por trabalho, alimento sadio, preservação ambiental, um novo modelo agrícola e soberania nacional!
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal - ABEEF
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento das Mulheres Camponesas - MMC
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Pastoral da Juventude Rural - PJR
Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil
As transformações do mundo nas últimas décadas fizeram com que o centro de acumulação do capital fosse para a esfera financeira e para as corporações transnacionais. Isso trouxe graves consequências e promoveu um enfrentamento crescente entre dois modelos de produção na agricultura. O modelo dos capitalistas é uma aliança entre grandes proprietários de terras, empresas transnacionais e sistema financeiro. As empresas fornecem insumos, compram os produtos, controlam o mercado e fixam preços dos produtos agrícolas.
Os grandes proprietários (cerca de apenas 40 mil, que possuem mais de mil hectares) entram com a terra, destruindo a biodiversidade e superexplorando os trabalhadores, para repartir a taxa de lucro da agricultura das empresas. Esse modelo foi autodenominado de agronegócio. Adota a monocultura, para ampliar a escala de produção, com o uso intensivo de venenos e maquinaria pesada. O agronegócio ainda aumenta a concentração da terra. O Censo de 2006 aponta que a concentração da terra é maior do que na década de 1920.
Propomos outro modelo de agricultura, que priorize a produção diversificada, máquinas agrícolas adequadas a pequenas unidades, agroindústrias cooperativadas e técnicas agroecológicas. Em vez de priorizar o lucro de grandes empresas e fazendeiros, temos que respeitar o equilíbrio do ambiente, produzir alimentos sadios, fortalecer o mercado interno, aproximando produtores e consumidores. Nossa proposta de Reforma Agrária Popular é a adoção desse modelo, e não apenas distribuir lotes para os sem-terra.
O que está em jogo é a organização da agricultura brasileira. Não se trata apenas de uma disputa da agricultura familiar e dos sem terras contra o latifúndio e o agronegócio. Esperamos que a sociedade compreenda as diferenças desses dois modelos agrícolas. Defendemos o desenvolvimento para a população que vive no meio rural, com preservação ambiental e produção de alimentos saudáveis. O agronegócio é incapaz de garantir isso.
É preciso, nesse período eleitoral, cobrar dos candidatos posições claras. Apresentamos abaixo a plataforma para a agricultura brasileira defendida pelos movimentos da Via Campesina.
PLATAFORMA POLÍTICA PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
Ao povo brasileiro e às organizações populares do campo e da cidade
O atual modelo agrícola imposto ao Brasil pelas forças do capital e das grandes empresas é prejudicial aos interesses do povo. Ele transforma tudo em mercadoria: alimentos, bens da natureza (como água, terra, biodiversidade e sementes.) e se organiza com o único objetivo de aumentar o lucro das grandes empresas, das corporações transnacionais e dos bancos.
Nós precisamos urgentemente construir um novo modelo agrícola baseado na busca constante de uma sociedade mais justa e igualitária, que produza suas necessidades em equilíbrio com o meio ambiente. Por isso, fazemos algumas considerações e convidamos o povo brasileiro a refletir e decidir qual é o modelo de agricultura que quer para o nosso país.
I – A NATUREZA DO ATUAL MODELO AGRÍCOLA
O atual modelo agrícola, chamado de agronegócio, tem como principais características:
1.Organizar a produção agrícola sob controle dos grandes proprietários de terra e empresas transnacionais, que exploram os trabalhadores agrícolas e têm o domínio sobre: produção, comércio, insumos e sementes.
2.Priorizar a produção na forma de monocultivos extensivos, em grande escala, que afetam o ambiente e exige grandes quantidades venenos, que prejudicam a saúde e a qualidade dos alimentos. O Brasil consome mais de um bilhão de litros de veneno por ano, se transformando no maior consumidor mundial!
3.Organizar o monocultivo florestal, como o de eucalipto e pínus, que destroem o ambiente, a biodiversidade, estragam a terra, geram desemprego, destinando a produção para exportação, dando lucro para as transnacionais e nos deixando a degradação social e ambiental.
4.Incentivar a ampliação da área de monocultivo de cana-de-açúcar para produção de etanol, para exportação. Novamente, causando prejuízos ao ambiente, elevando o preço dos alimentos, a concentração da propriedade da terra e desnacionalizando o setor da produção do açúcar e álcool.
5.Difundir o uso das sementes transgênicas, que destroem a biodiversidade e eliminam todas as nossas sementes nativas. As sementes transgênicas não conseguem conviver com outras variedades e contaminam as demais, resultando, a médio prazo, a existência de apenas sementes controladas por empresas transnacionais. Com o controle das sementes, essas empresas cobram royalties, vendem agrotóxicos de suas próprias indústrias e pressionam governos a adotarem políticas dos seus interesses.
6.Incentivar o desmatamento da floresta amazônica e a destruição dos babaçuais, através da expansão da pecuária, soja, eucalipto e cana, e para exportação de madeira e minérios. Somos contra a lei que autoriza a exploração privada das florestas públicas.
Diante da gravidade da situação, denunciamos à sociedade brasileira:
1.O modelo do agronegócio protege a exploração do trabalho escravo, do trabalho infantil e a superexploração dos assalariados rurais, sem garantir os direitos trabalhistas e previdenciários e as mínimas condições de transporte e de vida nas fazendas. Por isso, a bancada ruralista nunca aceitou votar o projeto que penaliza fazendas com trabalho escravo, já aprovado no Senado.
2.O projeto de lei do senador Sergio Zambiasi (PTB-RS), que pretende diminuir a proibição de propriedades estrangeiras na faixa de fronteira de todo pais, regularizam as terras em situação de ilegalidade e crime de empresas estrangeiras na fronteira, como a Stora Enso e a seita Moon.
3.As obras de transposição do Rio São Francisco visa apenas beneficiar o agronegócio, o hidronegócio e a produção para exportação, e a expansão da cana, na região nordeste, e não atende as necessidades dos milhões de camponeses que vivem no Semi-Árido.
4.A crescente privatização da propriedade da água por empresas, sobretudo estrangeiras, como a Nestlé, Coca-cola e Suez, entre outras.
5.O atual modelo energético prioriza as grandes hidrelétricas, principalmente na Amazônia, e transforma a energia em mercadoria. Privatiza, destrói e polui o ambiente, aumenta cada vez mais as tarifas da energia elétrica ao povo brasileiro, privilegia os grandes consumidores eletrointensivos e entrega o controle da energia às grandes corporações multinacionais, colocando em risco a soberania nacional.
6.As tentativas de modificação no atual Código Florestal, proposto pela bancada ruralista a serviço do agronegócio, autoriza o desmatamento das áreas, buscando apenas o lucro fácil.
7.As articulações das empresas transnacionais, falsas entidades ambientalistas e alguns governos do hemisfério Norte querem transformar o meio ambiente em simples mercadoria. E introduzir títulos de créditos de carbono negociáveis nas bolsas de valores - inclusive para isentar as empresas poluidoras do Norte - e gerar oportunidades de lucro para empresas do Sul, enquanto as agressões ao meio ambiente seguem livremente pelo capital.
8.As políticas que privatizam o direito de pesca, desequilibram o meio ambiente nos rios e no mar e inviabilizam a pesca artesanal, da qual dependem milhões de brasileiros.
9.A lei recentemente aprovada que legaliza a grilagem, regularizando as áreas públicas invadidas na Amazônia até 1500 hectares por pessoa (antes era permitido legalizar apenas até 100 hectares). Somos contra o projeto de lei do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) que reduz a Reserva Florestal na Amazônia em cada propriedade de 80% para 50%.
II – PROPOMOS UM NOVO PROGRAMA PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
Um programa que seja baseado nas seguintes diretrizes:
1.Implementar um programa agrícola e hídrico, que priorize a soberania alimentar de nosso país, estimule a produção de alimentos sadios, a diversificação da agricultura, a Reforma Agrária, como ampla democratização da propriedade da terra, a distribuição de renda produzida na agricultura e fixação da população no meio rural brasileiro.
2.Impedir a concentração da propriedade privada da terra, das florestas e da água. Fazer uma ampla distribuição das maiores fazendas, instituindo um limite de tamanho máximo da propriedade de bens da natureza.
3.Assegurar que a agricultura brasileira seja controlada pelos brasileiros e que tenha como base a produção de alimentos sadios, a organização de agroindústrias na forma cooperativas em todos os municípios do país.
4.Incentivar a produção diversificada, na forma de policultura, priorizando a produção camponesa.
5.Adotar técnicas de produção que buscam o aumento da produtividade do trabalho e da terra, respeitando o ambiente e a agroecologia. Combater progressivamente o uso de agrotóxicos, que contaminam os alimentos e a natureza.
6.Adotar a produção de celulose em pequenas unidades, sem monocultivo extensivo, buscando atender as necessidades brasileiras, em escala de agroindústrias menores.
7.Defender a “política de desmatamento zero” na Amazônia e Cerrado, preservando a riqueza e usando os recursos naturais de forma adequada e em favor do povo que lá vive. Defender o direito coletivo da exploração dos babaçuais.
8.Preservar, difundir e multiplicar as sementes nativas e melhoradas, de acordo com nosso clima e biomas, para que todos os agricultores tenham acesso.
9.Penalizar rigorosamente todas as empresas e fazendeiros que desmatam e poluem o meio ambiente.
10.Implementar as medidas propostas pela Agência Nacional de Águas (Atlas do Nordeste), que prevê obras e investimentos em cada município do Semi-Árido, que com menor custo resolveria o problema de água de todos os camponeses e população residente na região.
11.Assegurar que a água, como um bem da natureza, seja um direito de todo cidadão. Não pode ser uma mercadoria e deve ser gerenciada como um bem público, acessível a todos e todas. Defendemos um programa de preservação de nossos aquíferos, como as nascentes das três principais bacias no cerrado, o aquífero guarani e a mais recente descoberta do aquífero alter do chão, na região amazônica.
12.Implementar um novo projeto energético popular para o país, baseado na soberania energética e garantir o controle da energia e de suas fontes a serviço do povo brasileiro. Assegurar que o planejamento, produção, distribuição da energia e de suas fontes estejam sob controle do povo brasileiro. Também, estimular todas as múltiplas formas de fontes de energia, com prioridade para as potencialidades locais e de uso popular. Exigir a imediata revisão das atuais tarifas de energia elétrica cobradas à população, garantindo o acesso a todos a preços compatíveis com a renda do povo brasileiro
13.Regularizar todas as terras quilombolas em todo país.
14.Proibir a aquisição de terras brasileiras por empresas transnacionais e “seus laranjas”, acima do modulo familiar.
15.Demarcar imediatamente todas as áreas indígenas e promover a retirada de todos os fazendeiros invasores, em especial nas áreas dos guaranis no Mato Grosso do Sul.
16.Promover a defesa de políticas públicas para agricultura, por meio do Estado, que garantam:
a) Prioridade para a produção de alimentos para o mercado interno;
b) Preços rentáveis aos pequenos agricultores, garantindo a compra pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab);
c) Uma nova política de crédito rural, em especial para investimento nos pequenos e médios estabelecimentos agrícolas;
d) Uma política de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) definida a partir das necessidades dos camponeses e da produção de alimentos sadios;
e) Adequar a legislação sanitária da produção agroindustrial às condições da agricultura camponesa e das pequenas agroindústrias, ampliando as possibilidades de produção de alimentos;
f) Políticas publicas para a agricultura direcionadas e adequadas às realidades regionais.
17.Garantir a manutenção do caráter público, universal, solidário e redistributivista da seguridade social no Brasil, como garantia a todos trabalhadores e trabalhadoras da agricultura. Garantir o orçamento para a Previdência Social e a ampliação dos direitos sociais a todos trabalhadores e trabalhadoras, como os que estão na informalidade e os trabalhadores domésticos.
18.Rever o atual modelo de transporte individual, e desenvolver um programa nacional de transporte coletivo, que priorize os sistemas ferroviário, metrô, hidrovias, que usam menos energia, são menos poluentes e mais acessíveis a toda população.
19.Assegurar a educação no campo, implementando um amplo programa de escolarização no no meio rural, adequados à realidade de cada região, que busque elevar o nível de consciência social dos camponeses, universalizar o acesso dos jovens a todos os níveis de escolarização e, em especial, ao ensino médio e superior. Desenvolver uma campanha massiva de alfabetização de todos adultos.
20.Mudar os acordos internacionais da Organização Mundial do Comércio (OMC), União Europeia-Mercosul, convenções e conferencias no âmbito das Nações Unidas, que defendem apenas os interesses do capital internacional, do livre comércio, em detrimento dos camponeses e dos interesses dos povos do sul.
21.Aprovar a lei que determina expropriação de toda fazenda com trabalho escravo. Impor pesadas multas às fazendas que não respeitam as leis trabalhistas e previdenciárias. Revogação da lei que possibilita contratação temporária de assalariados rurais, sem carteira assinada.
Por trabalho, alimento sadio, preservação ambiental, um novo modelo agrícola e soberania nacional!
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal - ABEEF
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento das Mulheres Camponesas - MMC
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Pastoral da Juventude Rural - PJR
Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil
sexta-feira, 28 de maio de 2010
A direita, enfim, achou seu candidato
Da Carta Maior
EDITORIAL
A direita, enfim, achou seu candidato
Depois do Mercosul, o novo alvo de Serra é a Bolívia. Para azar do pré-candidato tucano e sorte do Brasil e do mundo, a era Bush chegou ao fim. Algum assessor com um mínimo de lucidez e informação bem que poderia avisá-lo das mudanças que estão em curso no mundo. Mas se o ex-governador de São Paulo decidiu abraçar por inteiro a agenda da direita no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, faz sentido ele lutar pela restauração da velha ordem. Pode-se dizer, então, que, enfim, a direita achou um candidato à presidência do Brasil.
Editorial - Carta Maior
“A questão”, ponderou Alice, “é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem tantas coisas diferentes”.
“A questão”, replicou Humpty Dumpty, “é saber quem é que manda. É só isso”.
Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas (cap.6).
As declarações do ex-governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, acusando o governo boliviano de ser “cúmplice de traficantes”, além de levianas e irresponsáveis, podem acabar se voltando contra o próprio autor. Pela lógica da argumentação de Serra, não seria possível a exportação de cocaína a partir da Bolívia sem a conivência e/ou participação das autoridades daquele país. Bem, se é assim, alguém poderia dizer também que Serra é cúmplice do PCC (Primeiro Comando da Capital), da violência e do tráfico de drogas em São Paulo. “Você acha que toda violência e tráfico de drogas em São Paulo seria possível se o governo de lá não fosse cúmplice?” – poderia perguntar alguém, parafraseando Serra.
Neste mesmo contexto, cabe lembrar ainda as declarações do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia, preso em 2007 no Brasil, que, em um depoimento à Justiça Federal em São Paulo, disse: “Para acabar com o tráfico de drogas em São Paulo, basta fechar o Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos)”. As denúncias de um traficante valem o que ele vale. Neste caso valeram, ao menos, o interesse da Justiça Federal em investigar a possibilidade de ligação entre o tráfico de drogas e a corrupção policial, possibilidade esta que parece não habitar o horizonte de Serra. O pré-candidato foi governador de São Paulo, mas afirma não ter nada a ver com isso. A culpa é da Bolívia.
Há método na aparente loucura do pré-candidato do PSDB. O fato de ter repetido as acusações levianas contra o governo de um país vizinho – e amigo, sim – do Brasil mostra que Serra acredita que pode ganhar votos com elas. Trata-se de um comportamento que revela traços interessantes da personalidade do pré-candidato e da estratégia de sua candidatura. Em primeiro lugar, mostra uma curiosa seletividade geográfica: em sua diatribe contra governos latino-americanos, Serra esqueceu de acusar a Colômbia como “cúmplice do narcotráfico”. Esquecimento, na verdade, que expõe mais ainda o caráter leviano da estratégia. Trata-se, simplesmente, de atacar governos considerados “amigos” do governo brasileiro.
Em segundo lugar, mostra uma postura irresponsável do pré-candidato, tomando a palavra aí em seu sentido literal, a saber, aquele que não responde por seus atos. Antes de apontar o dedo acusador para o governo de um país vizinho, Serra poderia visitar algumas ruas localizadas no centro velho de São Paulo que foram tomadas por traficantes e dependentes de drogas. Serra já ouviu falar da Cracolândia? Junto com a administração Kassab, um governo amigo como gosta de dizer, fez alguma coisa para resolver o problema? Imagine, Sr. Serra, 200 pessoas sob o efeito do crack gritando sob a sua janela, numa madrugada interminável ... Surreal? Na Cracolância é normal. E isso ocorre na sua cidade, não na Bolívia. Ocorre na capital do Estado onde o senhor foi eleito para governar e trabalhar para resolver, entre outros, esse tipo de problema. Mas é mais fácil, claro, acusar outro país pelo problema, ainda mais se esse outro país for governado por um índio.
E aí aparece o terceiro e mais perverso traço da estratégia de Serra: um racismo mal dissimulado. Quem decide apostar na estratégia do vale-tudo para ganhar um voto não hesita em dialogar com toda sorte de preconceito existente em nossa sociedade. Acusar o governo de Evo Morales de ser cúmplice do tráfico, além de ignorar criminosamente os esforços feitos atualmente pelo governo boliviano para combater o tráfico, aposta na força do preconceito contra Evo Morales, que já se manifestou várias vezes na imprensa brasileira por ocasião das disputas envolvendo o gás boliviano. Apostando neste imaginário perverso, acusar um índio boliviano de ser cúmplice do tráfico de drogas parece ser “mais negócio” do que acusar um branco de classe média que sabe usar boas gravatas. Alguém com Álvaro Uribe, por exemplo...
E, em quarto, mas não menos importante lugar, as declarações do pré-candidato tucano indicam um retrocesso de proporções gigantescas na política externa brasileira, caso fosse eleito presidente da República. Mais uma vez aqui, há método na loucura tucana. Não é por acaso que essas declarações surgem no exato momento em que o Brasil desponta como um ator de peso na política global, defendendo o caminho do diálogo e da negociação ao invés da via das armas, da destruição e da morte. Como assinala José Luís Fiori em artigo publicado nesta página:
A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potencia global e usará sua influência para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados Unidos, Inglaterra e França (...) O jornal O Globo foi quem acertou em cheio, ao prever - com perfeita lucidez - na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências.
As últimas linhas do texto de Fiori resumem o que está por trás da estratégia de Serra de chamar o Mercosul de “farsa”, de acusar o governo da Bolívia de cumplicidade com o tráfico, de criticar a iniciativa do governo brasileiro em ajudar a evitar uma nova guerra no Oriente Médio. Curiosa e tristemente, essa estratégia, entre outros lamentáveis problemas, sofre de um atraso histórico dramático. Para azar de Serra e sorte do Brasil e do mundo, a doutrina Bush chegou ao fim. No dia 27 de maio, o governo dos EUA anunciou sua nova doutrina de segurança nacional que abandonou o conceito de “guerra preventiva” como elemento definidor da estratégia da política externa norte-americana. Algum assessor com um mínimo de lucidez e informação bem que poderia avisar ao pré-candidato tucano das
mudanças que estão em curso no mundo, especialmente do final da era Bush. Mas se ele decidiu abraçar por inteiro a agenda da direita no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, faz sentido lutar pela restauração da velha ordem. Pode-se dizer, então, que, enfim, a direita achou um candidato à presidência do Brasil.
EDITORIAL
A direita, enfim, achou seu candidato
Depois do Mercosul, o novo alvo de Serra é a Bolívia. Para azar do pré-candidato tucano e sorte do Brasil e do mundo, a era Bush chegou ao fim. Algum assessor com um mínimo de lucidez e informação bem que poderia avisá-lo das mudanças que estão em curso no mundo. Mas se o ex-governador de São Paulo decidiu abraçar por inteiro a agenda da direita no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, faz sentido ele lutar pela restauração da velha ordem. Pode-se dizer, então, que, enfim, a direita achou um candidato à presidência do Brasil.
Editorial - Carta Maior
“A questão”, ponderou Alice, “é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem tantas coisas diferentes”.
“A questão”, replicou Humpty Dumpty, “é saber quem é que manda. É só isso”.
Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas (cap.6).
As declarações do ex-governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, acusando o governo boliviano de ser “cúmplice de traficantes”, além de levianas e irresponsáveis, podem acabar se voltando contra o próprio autor. Pela lógica da argumentação de Serra, não seria possível a exportação de cocaína a partir da Bolívia sem a conivência e/ou participação das autoridades daquele país. Bem, se é assim, alguém poderia dizer também que Serra é cúmplice do PCC (Primeiro Comando da Capital), da violência e do tráfico de drogas em São Paulo. “Você acha que toda violência e tráfico de drogas em São Paulo seria possível se o governo de lá não fosse cúmplice?” – poderia perguntar alguém, parafraseando Serra.
Neste mesmo contexto, cabe lembrar ainda as declarações do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia, preso em 2007 no Brasil, que, em um depoimento à Justiça Federal em São Paulo, disse: “Para acabar com o tráfico de drogas em São Paulo, basta fechar o Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos)”. As denúncias de um traficante valem o que ele vale. Neste caso valeram, ao menos, o interesse da Justiça Federal em investigar a possibilidade de ligação entre o tráfico de drogas e a corrupção policial, possibilidade esta que parece não habitar o horizonte de Serra. O pré-candidato foi governador de São Paulo, mas afirma não ter nada a ver com isso. A culpa é da Bolívia.
Há método na aparente loucura do pré-candidato do PSDB. O fato de ter repetido as acusações levianas contra o governo de um país vizinho – e amigo, sim – do Brasil mostra que Serra acredita que pode ganhar votos com elas. Trata-se de um comportamento que revela traços interessantes da personalidade do pré-candidato e da estratégia de sua candidatura. Em primeiro lugar, mostra uma curiosa seletividade geográfica: em sua diatribe contra governos latino-americanos, Serra esqueceu de acusar a Colômbia como “cúmplice do narcotráfico”. Esquecimento, na verdade, que expõe mais ainda o caráter leviano da estratégia. Trata-se, simplesmente, de atacar governos considerados “amigos” do governo brasileiro.
Em segundo lugar, mostra uma postura irresponsável do pré-candidato, tomando a palavra aí em seu sentido literal, a saber, aquele que não responde por seus atos. Antes de apontar o dedo acusador para o governo de um país vizinho, Serra poderia visitar algumas ruas localizadas no centro velho de São Paulo que foram tomadas por traficantes e dependentes de drogas. Serra já ouviu falar da Cracolândia? Junto com a administração Kassab, um governo amigo como gosta de dizer, fez alguma coisa para resolver o problema? Imagine, Sr. Serra, 200 pessoas sob o efeito do crack gritando sob a sua janela, numa madrugada interminável ... Surreal? Na Cracolância é normal. E isso ocorre na sua cidade, não na Bolívia. Ocorre na capital do Estado onde o senhor foi eleito para governar e trabalhar para resolver, entre outros, esse tipo de problema. Mas é mais fácil, claro, acusar outro país pelo problema, ainda mais se esse outro país for governado por um índio.
E aí aparece o terceiro e mais perverso traço da estratégia de Serra: um racismo mal dissimulado. Quem decide apostar na estratégia do vale-tudo para ganhar um voto não hesita em dialogar com toda sorte de preconceito existente em nossa sociedade. Acusar o governo de Evo Morales de ser cúmplice do tráfico, além de ignorar criminosamente os esforços feitos atualmente pelo governo boliviano para combater o tráfico, aposta na força do preconceito contra Evo Morales, que já se manifestou várias vezes na imprensa brasileira por ocasião das disputas envolvendo o gás boliviano. Apostando neste imaginário perverso, acusar um índio boliviano de ser cúmplice do tráfico de drogas parece ser “mais negócio” do que acusar um branco de classe média que sabe usar boas gravatas. Alguém com Álvaro Uribe, por exemplo...
E, em quarto, mas não menos importante lugar, as declarações do pré-candidato tucano indicam um retrocesso de proporções gigantescas na política externa brasileira, caso fosse eleito presidente da República. Mais uma vez aqui, há método na loucura tucana. Não é por acaso que essas declarações surgem no exato momento em que o Brasil desponta como um ator de peso na política global, defendendo o caminho do diálogo e da negociação ao invés da via das armas, da destruição e da morte. Como assinala José Luís Fiori em artigo publicado nesta página:
A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potencia global e usará sua influência para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados Unidos, Inglaterra e França (...) O jornal O Globo foi quem acertou em cheio, ao prever - com perfeita lucidez - na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências.
As últimas linhas do texto de Fiori resumem o que está por trás da estratégia de Serra de chamar o Mercosul de “farsa”, de acusar o governo da Bolívia de cumplicidade com o tráfico, de criticar a iniciativa do governo brasileiro em ajudar a evitar uma nova guerra no Oriente Médio. Curiosa e tristemente, essa estratégia, entre outros lamentáveis problemas, sofre de um atraso histórico dramático. Para azar de Serra e sorte do Brasil e do mundo, a doutrina Bush chegou ao fim. No dia 27 de maio, o governo dos EUA anunciou sua nova doutrina de segurança nacional que abandonou o conceito de “guerra preventiva” como elemento definidor da estratégia da política externa norte-americana. Algum assessor com um mínimo de lucidez e informação bem que poderia avisar ao pré-candidato tucano das
mudanças que estão em curso no mundo, especialmente do final da era Bush. Mas se ele decidiu abraçar por inteiro a agenda da direita no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, faz sentido lutar pela restauração da velha ordem. Pode-se dizer, então, que, enfim, a direita achou um candidato à presidência do Brasil.
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