quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O fascismo se alimenta da inveja, da frustração e usa da mentira e da violência para atingir seus objetivos.


DEBATE ABERTO

Tremendo mau cheiro

As cascas de banana e a intriga grosseira começam a tomar algumas manchetes jornalísticas na indisfarçável tentativa de criar embaraços a um governo que mal começou. O PMDB se tornará mais uma vez o ‘fiel da balança’ de um sistema partidário viciado, ineficiente e sensivelmente corrupto em muitos dos seus integrantes.
Referindo-se a uma quase que inexistente militância da coligação PSDB/DEM/PPS, essa que se transformou na fina flor do atual conservadorismo brasileiro, a jornalista Eliana Catanhede fez, durante a última campanha eleitoral, uma citação auto-elogiosa aos “quadros” que comporiam o tal exército de Brancaleone. Denominou-os de “massa cheirosa”, com a evidente intenção de – por oposição – considerar os eleitores de Dilma e apoiadores do presidente Lula como a massa mal cheirosa da periferia e dos rincões mais distantes do país. O então general presidente João Batista Figueiredo afirmou, já no último governo da ditadura, que preferia o cheiro das estrebarias ao cheiro do povo.

Tais afirmações, a da jornalista e a do general, enquadram-se perfeitamente no discurso raivoso e preconceituoso que caracteriza uma parcela da sociedade brasileira. Antes, durante e depois do regime ditatorial de 64.

A recente campanha oposicionista do candidato José Serra fala por si. Inúmeras foram as demonstrações de intolerância, os arremedos de violência, as mentiras e os factóides diários sustentados por uma imprensa, em sua maioria, defensora de uma candidatura que nasceu morta, mas que era preciso se oxigenar com o que estivesse mais à mão. Com a agravante de que o candidato já se disse em outros tempos um homem de esquerda e progressista. Em outras circunstâncias, é claro...

Os panfletos sobre o aborto, as agressões ao passado guerrilheiro da candidata Dilma Roussef, as idiotices e inverdades repetidas por artistas de telenovelas e programas de humorismo duvidoso, invasões de missas, religiosidade de última hora, uma ridícula bolinha de papel transformada em míssil, uma campanha suja e violenta pela internet, onde predominava o irracional e o mau português, e um candidato – ao contrário do que pregava – completamente despreparado para o exercício da presidência, tudo isso acabou por criar um caldo de cultura muito próprio ao jeito fascista de fazer política. A cultura da violência.

Enquanto a nova política de resgatar o país de mazelas seculares procura avançar com rapidez, passando ao largo de vaidades e incompetências, muitas delas acadêmicas e voltadas para a satisfação de uma pequena parcela da sociedade, políticos formados na velha escola republicana e temperados pelas benesses de uma ditadura que durou 21 anos, ainda insistem em dividir o país em novas capitanias hereditárias, espalhando o preconceito e a discriminação entre brasileiros. Ao perceberem que a realidade do país começa a não responder mais diretamente aos seus interesses, tais esbirros – usando ainda o monopólio do curral mediático, onde são proprietários e beneficiários ao mesmo tempo – passaram a apostar mais pesado no ‘quanto pior, melhor’.

Seria bom não nos deixarmos iludir por uma democracia que continua parcialmente tutelada e que, apesar dos avanços institucionais, ainda não ultrapassou algumas provas de fogo, tais como o efetivo combate à corrupção ou à impunidade de alguns figurões da república. Ou à punição de torturadores de crimes políticos e comuns, de quem pouco se fala. Não conseguiu uma reforma política que merecesse esse nome, uma reforma fiscal, uma reforma do Judiciário.

No momento, tudo parece indicar uma pausa temporária, estratégica, por parte da velha mídia, quando se espera que as águas da eleição e da posse do novo governo se acalmem. A elite política e econômica brasileira é sempre perigosa, sorrateira. A sorte do país, para além de algumas políticas acertadas do governo Lula nos últimos oito anos, é que a oposição emburreceu, assim como jornalistas e analistas do “ancien regime”. Chega a ser patética a cena mostrada em vídeo nos últimos dias, na qual FHC pede a Serra para agradecer alguns elogios do governador Alckmin no seu discurso de posse.

O mito do brasileiro cordial, de índole pacífica é uma falácia que continuamos carregando para apaziguar nossas consciências. Sempre que precisou, a elite brasileira foi violenta, sabendo cooptar aqueles de que necessita para o serviço sujo, incluindo-se aqui amplos setores da classe média também. Os exemplos da Guerra do Paraguai, do último bastião escravista até a Lei Áurea, do Estado Novo, da ditadura civil/militar de 64/68, do trabalho escravo de adultos e crianças, dos matadores de aluguel, dos esquadrões da morte e das atuais milícias urbanas, da violência contra a mulher, do preconceito contra nordestinos, do uso da tortura contra prisioneiros políticos ou comuns, da impunidade contra o crime de colarinho branco e outras mazelas do gênero, deixam muito a desejar sobre esse tão decantado espírito cordial e conciliador.

E é justamente por isso que não podemos desprezar o abominável e recente episódio das inúmeras manifestações de cidadãos brasileiros em suas sintéticas mensagens pelo twitter ao desejarem um atentado contra a presidenta Dilma Roussef no dia da sua posse. Qual o significado daquelas mensagens para além da sua linguagem crua e repetitiva, mas de conteúdo criminoso e ideologicamente condenável? Uma manifestação covarde de adolescentes sem o que fazer? Refletiam um pensamento próprio ou reproduziam opiniões ouvidas em casa, nos escritórios ou escolas? Espontânea ou induzida? O que levou tais pessoas a manifestarem esse desejo?

As cascas de banana e a intriga grosseira começam a tomar algumas manchetes jornalísticas na indisfarçável tentativa de criar embaraços a um governo que mal começou. O PMDB se tornará mais uma vez o ‘fiel da balança’ de um sistema partidário viciado, ineficiente, sensivelmente corrupto em muitos dos seus integrantes, muitas vezes dissonante em relação a antigos e insolúveis problemas brasileiros.

A campanha da presidenta Dilma Roussef prometeu avanço em várias áreas conquistadas no governo do presidente Lula. E seria bom que nos seus 100 primeiros dias de governo, essas promessas começassem a ser reconhecidas pelo povo brasileiro. Caso contrário, o tiro pode sair pela culatra. E o mau cheiro do fascismo deixar os rincões conservadores e preconceituosos, por onde transita com relativa liberdade e travestido de massa cheirosa, e começar a se espalhar por toda a sociedade brasileira.

Presidenta Dilma: olho vivo e, se for preciso, corte o mal pela raiz, já diz a sabedoria popular. Enquanto sentir firmeza, o povo estará ao seu lado. Caso contrário, o país corre o risco do retrocesso. O fascismo se alimenta da inveja, da frustração e usa da mentira e da violência para atingir seus objetivos. Nunca é cedo demais para essas reflexões.

Izaías Almada é escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem” (Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma Estética de Resistência”, Editora Boitempo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O poder da mídia em uma ordem cambaleante






DEBATE ABERTO

O poder da mídia em uma ordem cambaleante
Estará a mídia, a grande mídia, preparada para promover novos conceitos de cidadania mundial, de paz internacional, de apreço e defesa dos nossos esgotáveis recursos naturais? É vital que os meios de comunicação revejam sua missão, seus objetivos e sua agenda.
Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

A cultura de massa que temos está umbilicalmente conectada com a pauta apresentada instante a instante em algum dos veículos de comunicação em massa. Nada lhe escapa e, por isso mesmo, enorme é sua responsabilidade na criação da geração-consumo que temos "em nós" e também "diante de nós". Tendo como cenário as mudanças climáticas, a degradação ambiental e os extremos corrosivos da riqueza e da pobreza, a transformação de uma cultura de consumismo irrestrito para uma cultura de sustentabilidade ganhou força em grande parte graças aos esforços das organizações da sociedade civil e agências governamentais no mundo inteiro. A par com essas forças, e mesmo permeando-as, temos o poder de influência e onipresença da mídia.

Existem situações-limite em que não é lícito ser espectador de espetáculo nefasto que nós mesmos produzimos. Alardear a desgraceira toda, desnudar os mecanismos de poder envolvidos no debate para se criar políticas públicas de alcance mundial e, acima de tudo, alertar que o futuro é hoje, são tarefas que os meios de comunicação não podem e não têm a quem delegar.

O estágio de "aldeamento"
Além das políticas de informação e tecnologias "verdes", a transformação que precisamos realizar vai exigir um exame sério da nossa compreensão acerca da natureza humana e dos "esquemas culturais" seguidos por instituições do governo, por empresários da área de educação e dos meios de comunicação ao redor do mundo. Perguntas sobre o que é natural precisam ser reexaminadas criticamente. A questão do consumo e da produção sustentável deverá ser considerada no contexto mais amplo de uma ordem social cambaleante que se caracteriza pela competição, violência, conflito e insegurança da qual ela própria é parte.

Os meios de comunicação poderiam considerar promover tais mudanças visando a um consumo e produção sustentáveis, algo que implicitamente nos levará a desafiar normas e valores culturais que têm promovido o consumismo a todo o custo. Concepções subjacentes deverão ser examinadas. Estas questões incluem concepções da natureza humana, do desenvolvimento (e da natureza do progresso e da prosperidade); das causas das recentes crises econômicas, dos processos de desenvolvimento tecnológico, dos meios e dos fins dos processos educativos. Uma tarefa gigantesca? Sim, mas não maior que o poder de mobilização e influência que os meios de comunicação em massa detêm, na medida em que o planeta chegou ao estágio atual de "aldeamento", ou seja, o planeta mostrou ser pequeno, ao alcance de uns poucos cliques na internet, ao alcance de imagens replicadas por satélites estrategicamente localizados.

Tempo de avançar
O alargamento das fronteiras da informação alargou também nossas visões do mundo e vestiu velhas palavras com novos e desafiados significados. A palavra "estrangeiro", quando utilizada nos anos 1950 – portanto, há bem pouco tempo –, trazia consigo sentidos de reserva, suspeita, medo e tudo porque nossos sentidos não estavam acostumados a ver nossos semelhantes residentes em outros continentes com aquelas nossas características humanas, plausíveis, reais. Hoje, a palavra "estrangeiro" perdeu as garras, depôs pretensos tentáculos venenosos e assim do nada deixou de nos causar emoções negativas. "Estrangeiro" passa a ser apenas mais uma palavra desdentada que não mais aponta para os demais como nossos dessemelhantes. E não ouviremos mais nos telejornais que tal evento "aconteceu no estrangeiro". É tudo Terra, é tudo azul, é tudo aquele pálido ponto azul perdido na imensidão do espaço. Há décadas "no estrangeiro" deixou de compor manchete em jornais. Isso se deu graças ao avanço dos meios de comunicação.

Estará a mídia, a grande mídia, preparada para promover novos conceitos de cidadania mundial, de paz internacional, de apreço e defesa dos nossos esgotáveis recursos naturais? Estarão os profissionais da comunicação desarmados o suficiente para municiar o inevitável debate sobre temas que afetam a todos, como a segurança mundial, os meios para a produção de melhores condições de vida a populações historicamente massacradas, massas anônimas da humanidade que somente entram no futuro pela porta dos fundos?

É vital que os meios de comunicação revejam sua missão, seus objetivos e se pautem por cima. Que não vejam apenas os dias que correm, mas que lancem o olhar sobre os próximos 20, 30, 50 anos. É tempo de aprendermos uns com os outros, de expressarmos perspectivas e experiências e avançarmos coletivamente rumo à construção de uma sociedade justa e sustentável. Isso tudo transcende esquerda e direita. Isso tudo abomina a partidarização política dos meios de comunicação.

Contradição paralisante
A questão da natureza humana tem um lugar importante no discurso sobre o consumo e produção sustentáveis, uma vez que nos leva a reexaminar, em níveis mais profundos, quem somos e qual nosso propósito na vida. A experiência humana é essencialmente de natureza espiritual: ela está enraizada na realidade interna, ou o que alguns chamam de "alma", que todos nós partilhamos em comum. A cultura do consumismo, no entanto, tende a reduzir os seres humanos a meros concorrentes, em consumidores insaciáveis de mercadorias e objetos freneticamente alvos de manipulação do mercado.

É comum aceitarmos como se certa fosse a noção de que deparamos com um conflito insolúvel entre o que as pessoas realmente querem (ou seja, para consumir mais) e o que a humanidade precisa (ou seja, um acesso equitativo aos recursos).

Como, então, poderemos resolver a contradição paralisante que, por um lado, desejamos um mundo de paz e prosperidade, enquanto, por outro lado, grande parte da teoria econômica e psicológica retrata seres humanos como meros escravos de seus desejos egoísticos?

"Sonhos impossíveis"
As faculdades necessárias para construir um mundo mais justo e uma ordem social sustentável são aquelas de sempre, estas mesmas que podem atribuir nobreza ao caráter humano: moderação, justiça, amor, motivos sinceros, serviço ao bem comum. Ora, tão antigas quanto elas, essas palavras vêm sendo julgadas ao longo dos séculos como ideais ingênuos. Sim, pensar grande, abarcar a espécie humana em um pensamento maior de fraternidade vem sendo rotulado como perda de tempo, ingenuidade rematada. Como se devesse merecer nossa atenção, ocupar nossos milhões de neurônios apenas aquelas questões mais comezinhas e que falem diretamente ao nosso bem-estar individual, à nossa "felicidade" pessoal. E, nada mais ridículo que isso, uma visão castradora do muito de bom e de belo e de justo que poderia ser nosso. E de todos nós.

Mas sei que devo insistir em um ponto: justiça, moderação, serviço altruístico à nossa espécie são algumas das qualidades necessárias para superar os traços de egoísmo, ganância, apatia e violência que no mais das vezes são fomentadas pelo mercado com as bênçãos de forças políticas que asseguram a vigência dos atuais padrões insustentáveis de consumo e produção.

A vida, não nos iludamos, é muito mais que arenga política, que escaramuças entre PT e PSDB. É tempo de entendermos a brisa que sopra nesta frase de Clarice Lispector: "O que alarga a vida de uma pessoa são os sonhos impossíveis."

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com

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