segunda-feira, 12 de abril de 2010

"Muitos não puderam quando deviam, porque não quiseram quando podiam"



Copiado da Carta Maior

DEBATE ABERTO


Ao olhar a elevada taxa de homicídios da cidade, seu trânsito quase sempre engarrafado, lento, quase parando; e ainda, o despreparo para prover proteção à sua população ante as chuvas do início de 2010, não me vem outra asserttiva à mente salvo um sonoro “São Paulo pode mais!”

Washington Araújo

E de repente somos surpreendidos pela frase de efeito a concluir de forma emblemática o tão aguardado pronunciamento político: “O Brasil pode mais!” Fiquei alguns dias com esta frase pingando em minha cabeça com tanta regularidade que se assemelhava ao pinga-pinga associado à ideia de tortura chinesa: “O Brasil pode mais! O Brasil pode mais!”

O Brasil pode mais? Claro, claro que pode mais. Mas, apenas o Brasil pode mais? O que esta afirmação tem de impactante? Seria a "maneira auriverde pendão da esperança" de adaptar o slogan matador da campanha do presidente negro Barack Obama ´Yes, We can´? Sei não... Mas para entender a frase escandida com pompa e circunstância pelo candidato no apagar das luzes do seu governo em São Paulo, frase que busca impactar com a gravidade daquela pronunciada por Catão o Antigo, - Delenda est Carthago (Cartago deve ser destruida) - que segundo antigas fontes, era o fecho de todos e cada um de seus discursos no Senado Romano durante os últimos anos das Guerras Púnicas, por volta do ano 150 a.C.

Então, dispondo de uma mídia sempre pronta a ser galopada por frases de efeito, a afirmação viajou descontextualizada por jornais, telejornais, revistas, rádios e portais da internet. A mídia não só popularizou a frase, como também concedeu-lhe contornos de plataforma política, exercício mental de profetismo, fórmula mágica a anunciar o que nos reserva o futuro. Estou longe de crer que o futuro nos reserva algo e mais propenso a acreditar que é o passado que nos reserva alguma coisa. Seremos aquilo em que o passado nos moldou. Também penso que a imprensa pode mais.

Muito mais. Algumas considerações que faço aqui neste texto deveria ter sido feitas por nossos editores de política, por nossos comentaristas políticos. É mais fácil repercutir o slogan principalmente se a imprensa tem uma agenda degradée, algo assim oculto, num momento a presidente de sua principal entidade de classe, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) vem à boca do palco dizer que a grande mídia – representada in totum em sua ANJ - está ocupando o espaço dos partidos de Oposição “porque esta se encontra muito fragilizada no Brasil”, em outro momento opta por reverberar slogan que a uma primeira vista parece ficar de pé sozinho sem a necessidade de informação ou explicação adicional, como é bem o caso do insustentável “o Brasil pode mais” que, requer de forma imperativa que se trate antes de dizer que São Paulo pode mais, já que é o motor de nossa economia, como veremos mais adiante.

A imprensa pode mais e nesse “mais” não visualizo o manuseio partidarizado das notícias, das informações que são servidas ao povo brasileiro. A imprensa pode mais, muito mais, em termos de isenção, de independência editorial, de desconcentração do monopólio danoso em que se encontra aprisionada. A imprensa pode mais no tocante a saber discernir o que é opinião pública e o que é opinião publicada, na fiscalização de políticas públicas movida tão somente ao desejo de bem servir à sociedade brasileira e não em seu intento de agir como partido político.

Voltemos a nosso assunto principal. Não seria o caso de afirmar com a mesma veemência que São Paulo pode mais!? Afinal, São Paulo é o principal centro financeiro, corporativo e mercantil da América Latina. É a maior cidade do Brasil, das Américas e de todo o hemisfério Sul. E, também, de longe, a cidade brasileira mais influente no cenário global, sendo considerada a 14ª cidade mais globalizada do planeta, recebendo a classificação de cidade global beta, por parte do Globalization and World Cities Study Group & Network (GaWC). A par disso, São Paulo é a décima cidade mais rica do mundo, o município representa, isoladamente, 12,26% de todo o PIB brasileiro e 36% de toda a produção de bens e serviços do estado de São Paulo, sendo sede de 63% das multinacionais estabelecidas no Brasil, além de ter sido responsável por 28% de toda a produção científica nacional em 2005.

Neste contexto alentado, ao olhar a elevada taxa de homicídios da cidade de São Paulo, seu trânsito quase sempre engarrafado, muito lento, quase parando; e ainda, o despreparo de São Paulo para prover proteção à sua população ante as chuvas do início de 2010, não me vem outra assertiva à mente salvo um sonoro “São Paulo pode mais!”

Vejamos o que mostra o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e que classifica países e suas principais subdivisões administrativas utilizando escala que vai de 0 a 1, em que 1 representa o desenvolvimento absoluto. Portanto, a divisão vai de nível baixo a muito alto. Pois bem, São Paulo não obstante ser meca financeira do Brasil e representar a jóia mais importante de sua federação de estados, em 1991 tinha IDH de 0,778 enquanto o Distrito Federal era bem superior, de 0,799 e o Brasil, com todo seu território continental e gritante desigualdade regional e social alcançava 0,696.

Quatorze anos depois o que evidenciava o IDH? Em 2005, São Paulo subiu bem pouco em termos de IDH. Passou para 0,833. Enquanto isso, Santa Catarina foi para 0,840 e Brasília passou ser líder absoluto em desenvolvimento humano atingindo o índice 0,874. E o Brasil? No período de uma década e meia o Brasil saltou de 0,696 para 0,800. Trocando em miúdos, São Paulo subiu no período apenas 6,6% enquanto o Brasil mais que dobrou o porcentual de crescimento de seu estado mais rico: 13,%.
Feitas estas considerações: quem pode mais? São Paulo ou o Brasil? Claro que São Paulo.

Tomando-se por base o relatório do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2007, São Paulo obteve a nona colocação entre as capitais brasileiras. Não é um despropósito? O estado mais opulento do Brasil ter oito unidades da federação à sua frente em um tópico sempre prioritário para qualquer programa de governo? Na classificação geral do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2007, três escolas da cidade figuraram entre as 20 melhores do ranking. Certamente que São Paulo pode mais. Muito mais. E que não sejamos indolentes porque com números consistentes, amplamente acessíveis e produzidos por instituições conhecidas por sua seriedade na produção e manejo de dados estatísticos, não havemos que discutir. São Paulo não é apenas a cidade mais rica do Brasil, é também a 10ª cidade mais rica do mundo e, segundo projeções, será a 6ª mais rica em 2025. Mas antes prognósticos dão conta que o Brasil será a 5ª. maior potência econômica mundial. É pouco? Não acho. Acho apenas que demorou muito para chegar lá.

A verdade é que sentimos uma atração fatal para querer enxergar no olho do adversário o garrancho atravessado e esquecemos de retirar de nossos olhos o imenso travessão. E rendemos tributo ao ensinamento escorregadio de Jean-Paul Sartre quando dizia entre uma baforada e outra de seu erudito cachimbo: “O inferno são os outros.” Daqui a alguns anos, não tenho dúvida alguma, São Paulo estará ainda melhor, salvo se ocorrer alguma imprevista reviravolta. O certo é que ao momento São Paulo ocupa ainda uma posição vergonhosa em comparação com seu potencial e está longe de representar a condição de um estado justo e decente, de um estado que beneficie materialmente sua vasta maioria de pobres e remediados. E o mesmo podemos dizer do Brasil. Mas, neste caso, muitas seriam as ressalvas, a começar pela percepção certeira de que vários países convivem dentro do mesmo Brasil: aquele dos ricos, muito ricos; aquele dos pobres ingressando na sonhada classe média; aquele dos miseráveis que teimam em sobreviver com água na linha do nariz.

Não existe nada permanente, exceto a mudança. Porém, mudar e fazê-lo para melhor são coisas bastante diferentes. As pessoas não resistem às mudanças, resistem a ser mudadas. Os homens são sempre sinceros. Mudam de sinceridade, nada mais. Então, qual o problema de alguém pronunciar, com gravidade na voz, que o Brasil pode mais? Nenhum. Mas seria de todo desejável que quem as pronunciasse aproveitasse as horas da insônia inclemente para uma genuína reflexão sobre o que escreveu o escritor, padre e médico francês do Renascimento François Rabelais (1483-1553):

“Conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não quiseram quando podiam.”

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com

A agenda de Serra e a "massa cheirosa" do PSDB

Copiado da Carta Maior

No Brasil, quem sempre disse e atuou como se não houvesse alternativa foi a turma que hoje apóia Serra e a quem, há mais de duas décadas, ele se juntou. Todas as críticas levadas a cabo pela oposição à experiência do governo Lula concentraram-se na defesa da manutenção da grande agenda financista, exatamente embalada pela tese de que não havia alternativa. Declaração de Eliane Catanhêde distinguindo pelo cheiro a "massa" do PSDB, do povo que apóia Lula, mostra bem do que a direita é capaz, enquanto fala em verdade e se diz popular. O artigo é de Katarina Peixoto.

Katarina Peixoto

A candidatura José Serra enfrenta dificuldades importantes, que ultrapassam o debate sobre a presença ou não do ex-governador de Minas Gerais como seu candidato a vice. Não é irrelevante sacar do bolso o slogan da campanha de Obama para tentar embalar a candidatura que se opõe à de Dilma. Revela, antes, uma falta de perspectiva e uma confusão de agenda. Talvez um celenterado acredite que Dilma se parece com Bush e Serra, com Obama. Fora da mídia das seis famílias, talvez não soe como algo razoável essa conversa de sim, nós podemos, o Brasil pode mais protagonizada pelo PSDB e ex-PFL, entre outras agremiações menos chegadas à lida democrática, porque é estúpido, além de mentiroso.

A campanha de Barack Obama, e portanto a sua agenda de campanha, orientou-se por uma posição frente à história e à tese delirante levada ao extremo pela direita estadunidense, de que não há alternativa ao destino.

No Brasil, quem sempre disse e atuou como não houvesse alternativa foi a turma que hoje apóia Serra e a quem, há mais de duas décadas, ele se juntou. Todas as críticas não racistas e não políticas levadas a cabo pela oposição à experiência do governo Lula concentraram-se na defesa da manutenção da grande agenda financista, exatamente embalada pela tese de que não havia alternativa. E o reconhecimento político, quando raramente houve, de algum acontecimento de responsabilidade do governo Lula sempre foi, pela oposição de direita, derivado de uma reivindicação – no mais das vezes delirante – de autoria.

O legado da oposição de direita ao Governo Lula não pode ser descrito como a defesa e menos ainda construção de possibilidades. E talvez aí resida o embaraço que deu lugar ao engodo do slogan feito a toque de caixa para lançamento da campanha de Serra. Talvez essa relação rançosa frente à idéia mesma de possibilidade na história seja mais determinante do que uma tentativa frustrada de manobra manipulatória velhos tempos da opinião pública, ou midiática. E esse vazio de agenda é mais preocupante do que ocorresse à esquerda do governo Lula. Porque, salvo uma ou duas seitas, os que marcharam para uma oposição de esquerda tem um mundo negativamente refletido e ressentido por que lutar (essa não quer ser uma observação desrespeitosa, em tempo).

O desmantelo da direita ao governo Lula exige muita reflexão e talvez venha a produzir algo intelectualmente robusto, porque é historicamente um fenômeno robusto. Não é exagero algum dizer que o grau de delírio e de racismo a que chegaram algumas expressões políticas ligadas à candidatura Serra revelam uma desorientação diante do momento histórico. É cedo para traçar um quadro completo, mas não para perceber que a experiência Lula presidente não causou confusão apenas do lado de cá. Ocorre, porém, de a história da direita sem agenda ser especialmente danosa e violenta. Então, o caráter cambaleante da candidatura Serra é um motivo razoável para atenção.

Fernando Henrique disse, entre outras coisas, na ocasião da convenção tucana, que é preciso trabalhar e estudar, defendendo Serra, que sempre fez ambas as coisas. O ataque foi uma reedição da ladainha fleumática contra Lula. FHC dizer isso é só mais uma nota nesse samba triste e sem cadência em que vem se embolando a oposição. Não tem importância; quem leva Fernando Henrique a sério não está entendendo o que está em jogo, no momento. O que importa, nessa declaração odiosamente classista e semeadora de irracionalidade, é ter FHC, para além de qualquer delírio pessoal que possa estar o vitimando, ter recorrido, em 2010, a tamanha baixeza.

A candidatura Dilma tem decerto fragilidades e é possível que venha a ter inúmeras disputas vinculadas à sua agenda. Há, “do lado de cá”, uma série indefinida de dificuldades a serem superadas. E há da parte de Dilma um legado de luta e de construção de possibilidades na gramática da desigualdade capitalista periférica, que engatinha na democracia. Ela sabe disso, assim como Serra sabe. Ponto para Dilma, um embaraço para o tucano, que não erra por ignorância, mas por desorientação e inércia históricas.

Uma das razões que saltam aos olhos para atestar a irrelevância política de Fernando Henrique é que, nestas eleições, a ignorância não é categoria política da agenda classista da direita. Essa é uma razão que se tornou historicamente possível por causa da experiência Lula presidente, aliás. Outra razão que salta aos olhos é o discurso que mistura racismo, classismo, defesa de uma imaginária união nacional e de uma “verdade”, a ser jogada, disse Serra, sobre “eles”, os do lado de cá.

A cobertura que a Folha de São Paulo fez da convenção do PSDB talvez sirva para expressar, de maneira translúcida, o grau de violência de que a direita brasileira é capaz, enquanto fala em verdade e se diz popular, liquidando o possível na história. A declaração da jornalista Eliane Cantanhêde não é infeliz pelo que diz estar reportando; nem mesmo o é pela falta de pudor e contenção em reportar o irreportável; é infeliz porque semeia o ódio, o preconceito e a intolerância.

O gesto de Cantanhêde está no que ela não fala, no que não é dito. E isso merece atenção.

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