sexta-feira, 22 de abril de 2011

“O livre mercado supõe uma luta entre sistemas social e tributário”

Carta Maior:

"Tal como está colocado hoje, o livre mercado supõe uma luta entre o sistema social e o tributário. A competição entre ambos é cada vez mais férrea. É impossível fazer política hoje se as pessoas não entendem como estão sendo exploradas. É preciso que se fale às pessoas o que normalmente não se fala. Trabalhadores, mulheres, agricultores, organizações para o desenvolvimento, meios de comunicação, ecologistas...Não devemos deixar de fazer o que estamos fazendo hoje, mas precisamos nos esforçar mais. A análise é de Susan George, em entrevista à revista Andalucía Solidaria.

Pedro J. Ortega – Andalucía Solidaria

Susan George é ativista social, filósofa, escritora e presidenta do Comitê de Planificação do Transnational Institute, fundadora da ATTAC e pioneira do movimento altermundista. Ela inaugurou em Málaga o ciclo de conferências intitulado “Crise Econômica e Financeira: há alternativas?”, organizado pela Oficina de Informação Europeia da Assembleia Legislativa de Málaga, em colaboração com o Fundo Andaluz de Municípios para a Solidariedade Internacional (FAMSI).

Em seu discurso, destacou as contradições do modelo da reforma da União Europeia e sua política comercial; a globalização neoliberal, a organização do comércio mundial, o papel das instituições financeiras internacionais e as relações Norte-Sul, aspectos nos quais centrou suas denúncias públicas e seus diversos livros, traduzidos para mais de 20 idiomas. O Informe Lugano, um de seus livros mais conhecidos, já vai para a 14ª edição.

Já em 2001, você afirmava que o começo do fim dos mais graves problemas começava com a formulação de duas perguntas. Umas delas era: quem são os responsáveis pela crise atual? Desde então, passou-se quase uma década. Soubemos responder essa pergunta?

Susan George: Há muito tempo que não leio o Informe Lugano, mas estou segura da responsabilidade do grupo de Davos. Eles são os principais atores da indústria e da economia e os governos atuam a favor deste grupo, inclusive os socialistas, como é o caso da Espanha, que estão mais próximos do neoliberalismo. Em meu último livro, intitulado “Crises deles, soluções nossas”, que trata das causas da crise, sustento que a elite econômica mundial reunida no Fórum de Davos é o principal ator da crise econômica e financeira.

Calcula-se que com os 700 bilhões gastos pelos EUA para resgatar os bancos, seria possível aliviar a fome no mundo e ainda sobrariam recursos. Qual é sua proposta?

Susan George: O mercado dos Estados Unidos é desregulado. Havia um livre mercado com regramento e regulação, mas os bancos gastaram 5 bilhões de dólares para acabar com essa regulação e, dessa forma, fazer o que queriam. Essa é a razão central da crise. E ela se agrava pela preocupação dos governos com o déficit do Estado e não com o déficit dos indivíduos.

Minha proposta é socializar os bancos, sobretudo aqueles que foram resgatados com dinheiro público. É justo exigir deles o empréstimo de uma porcentagem dos valores que receberam.

E o livre mercado fica sob desconfiança?

Susan George: Tal como está colocado hoje, o livre mercado supõe uma luta entre o sistema social e o tributário. A competição entre ambos é cada vez mais férrea.

Em sua teoria dos círculos concêntricos você situa as finanças acima de todas as coisas. O planeta não é mais do que um mínimo ponto na escala de interesses desse sistema. Como inverter a ordem dos círculos?

Susan George: Como se faz isso? É preciso inverter essa hierarquia com alianças, com outras pessoas e entendendo os problemas. É impossível fazer política se as pessoas não entendem como estão sendo exploradas. Se não quisermos nos suicidar, devemos colocar o planeta na base superior dos círculos concêntricos, na situação privilegiada [1]. Em seguida deveria estar a sociedade que tem que obedecer as regras da biosfera e para isso necessitamos de uma economia. E, por último, situaríamos as finanças porque elas são apenas uma ferramenta.

Você propõe uma aliança internacional de sindicatos para frear as consequências do neoliberalismo sobre o trabalho...

Susan George: Não só de sindicatos. Todo mundo precisa de alianças para se defender as consequências do modelo atual. Eu proponho que se fale às pessoas o que normalmente não se fala. Trabalhadores, mulheres, agricultores, organizações para o desenvolvimento, meios de comunicação, ecologistas...Não devemos deixar de fazer o que estamos fazendo hoje, mas precisamos nos esforçar mais. É necessária muita pressão.

No Transnational Institute [2], você tem dedicado muita atenção às políticas locais inovadoras, como a democracia participativa. Que papel desempenham essas políticas?

Susan George: Sim, temos um novo programa sobre democracia direta, dirigido por Hilary Wainwright, pesquisadora e escritora sobre as novas formas de responsabilidade dentro dos partidos, os movimentos do Estado. Ela é a editora de Red Pepper, uma popular revista de esquerda inglesa, e tem documentado numerosos exemplos de novos movimentos democráticos, do Brasil até a Inglaterra, e as influências que exercem sobre as políticas progressistas.

Como avalia o fracasso das grandes cúpulas climáticas, como a de Copenhague, ou os acordos tíbios e não vinculantes de Cancún?[/i

Susan George: Chorei quando conheci os resultados. Este é um tema que não me deixa dormir. Não é algo irreversível, mas o tema do clima não é como outro, não é possível dizer “me equivoquei” e voltar atrás. A política ambiental deve ser forte e precisa fazer muita pressão. Não pode sair da agenda quando acaba o encontro.

Nos iludimos demasiadamente com Obama? Os estadunidenses perderam a esperança?

Susan George: Com Obama também chorei quando ele foi eleito, mas por distintas razões daquelas pelas quais chorei com os resultados de Copenhague. É difícil para os europeus entenderem o que ocorre nos Estados Unidos. Nos EUA, 24% da população acreditam que Obama é o anticristo, 57% acreditam que é muçulmano, 67% que é socialista...É uma loucura, mas sigo. Cerca de 28% pensam que está imitando Hitler e 45% que não é estadunidense. A política é muito estranha nos Estados Unidos.

Entramos no terceiro quinquênio para o fim do prazo estabelecido pela ONU para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Resta ainda
alguma esperança de que essas metas serão atingidas?

Susan George: Com este sistema, certamente que não, ainda menos com os cinco anos que restam de prazo. Talvez dentro de 130 anos, se as coisas seguirem assim, sejamos capazes de conseguir algo.

Notas

[1] A teoria dos círculos concêntricos explica a estrutura do mundo como um conjunto de círculos onde o maior é o das finanças que engloba todo o resto. Logo a seguir, situa-se a economia verdadeira, de produção, consumo e distribuição. Estes dois círculos principais dizem à sociedade como ela tem que funcionar. Na sequência, no lugar menos importante, encontra-se o planeta, a biosfera, de onde são retirados os recursos e onde se lançam os desperdícios.

[2] O Transnational Institute desenvolve análises de vanguarda sobre questões de importância global, constrói alianças com movimentos sociais de base e elabora propostas para um mundo mais justo e sustentável.

Fonte: Revista Andalucía Solidaria, n° 4, II Etapa

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Para 'Economist', real forte é desafio no combate à inflação

BBC Brasil :

Revista compara inflação e moeda valorizada a 'cavalos selvagens'

Em um artigo publicado em sua última edição, a revista britânica The Economist diz que a valorização do real frente ao dólar representa um grande desafio para o Brasil no controle da inflação e compara os dois problemas, a alta da moeda brasileira e a inflação, a 'cavalos selvagens'.

De acordo com a revista, a dificuldade para o Banco Central é que cada alta dos juros - 'já maiores que os de qualquer grande economia' - torna o Brasil mais atraente para o capital estrangeiro 'sem limites', o que derruba a cotação do dólar, prejudicando as exportações.

Segundo a Economist, o real está 'muito mais forte do que tanto o governo quando a indústria gostariam', com o dólar em sua cotação mais baixa em três anos.

A revista cita as “medidas macroprudenciais” tomadas pelo governo para tentar conter a inflação sem valorizar excessivamente o real, como o aumento do compulsório dos bancos.

'O perigo de tentar controlar a taxa de câmbio e a inflação simultaneamente é o risco de perder o controle de ambas', diz a Economist. 'A política monetária no Brasil está tentando domar dois cavalos selvagens ao mesmo tempo.'

A Economist diz que o governo brasileiro tem medo de “liberar o fluxo de capital externo, deixar o real se valorizar à vontade e cortar gastos para eliminar o crescente deficit fiscal”, algo que tem sido aconselhado por economistas na atual conjuntura, devido ao medo de que isso gere uma “fuga desestabilizadora” de capital caso países ricos adotem políticas monetárias mais restritivas, como, por exemplo, se aumentarem os juros.

A revista afirma ainda que outro grande desafio para a presidente Dilma Rousseff será o reajuste previsto do salário mínimo de 7,5% acima da inflação em 2012, o que aumentaria ainda mais os gastos públicos e pode gerar mais inflação.

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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Midia subestima acesso a informacao publica

Observatório da Imprensa :

"Por Mauro Malin em 19/4/2011

A expectativa com que diferentes setores acompanham a tentativa do governo de aprovar rapidamente a Lei de Acesso à Informação, que tramita no Senado, ainda não encontra o eco merecido na mídia, com duas exceções importantes: o Valor, que publicou na terça-feira (12/4) uma página bem-informada sobre o tema, e a Folha de S.Paulo, onde o repórter Fernando Rodrigues é o principal responsável por alimentar a editoria 'Poder' sobre o tema. Rodrigues preside a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e foi coordenador do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.

'Nos demais veículos, o assunto não tem tido muito espaço', constata o ministro da Coordenadoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, em entrevista ao Observatório da Imprensa. Opinião compartilhada pela coordenadora do escritório brasileiro da ONG Artigo 19, a advogada Paula Martins. O nome da entidade alude ao item da Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece: 'Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de ter opiniões sem sofrer interferência e de procurar, receber e divulgar informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras'.

Hage e Martins vêm nesse pouco interesse um paradoxo, porque o jornalismo pode ser um dos principais beneficiários do acesso a informações públicas hoje ocultadas, ou de acesso dificultado pela burocracia (ver 'Apagão de informações sobre Vladimir Herzog') e pelo velho costume de dividir os cidadãos em duas categorias: os iguais e os mais iguais.

Maior desafio será mudar práticas

A professora da Faculdade de Administração da UFRJ Ana Malin, que integra o corpo docente da pós-graduação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), iniciou pesquisa sobre um desdobramento crucial da nova legislação ainda ignorado pela mídia, apesar de sua obviedade: como obter um novo padrão de gestão na administração pública que consiga responder aos direitos do público – e obrigações dos governos federal, estaduais e municipais – que serão criados. Tarefa difícil, que imporá metas muito distantes dos atuais procedimentos administrativos.

Esse certamente será o maior desafio decorrente da adoção da nova legislação, mas o ângulo de abordagem da mídia concentra-se no fim da possibilidade de manter documentos oficiais sob segredo por tempo indeterminado. Segundo a nova lei, o prazo máximo para retenção de documentos classificados como ultrassecretos será de 25 anos, renováveis apenas uma vez.

Hage prevê avanço da participação

O ministro Hage está convencido de que quando o Projeto de Lei da Câmara 41/10 se transformar em Lei de Acesso à Informação haverá um avanço considerável da participação popular na fiscalização das ações governamentais. Ele destaca a criação do Portal da Transparência, pela CGU, uma 'exposição espontânea do poder público' que representa a modalidade da transparência ativa.

'Aí estão todas as despesas da administração federal feitas até a noite da véspera do dia em que as páginas são visitadas, por sinal de modo crescente a cada mês', diz o ministro da CGU. 'O portal tem recebido todo tipo de feedback, inclusive de pequenas comunidades, de onde partem, por exemplo, denúncias sobre recebimento indevido do Bolsa Família.'

O ministro não vê como obstáculo importante o acesso ainda relativamente baixo da população brasileira à internet. 'Existem programas de inclusão digital, quiosques de acesso à internet mantidos por prefeituras', afirma. 'Mais ou menos 40% da população do país já dispõem de alguma forma de acesso à rede.'

A inserção de um formulário para consultas específicas vai inaugurar, segundo Hage, 'uma abertura no campo da transparência passiva, acionada por pedidos de informação específicos. É algo que o Brasil está devendo há muito tempo'.

Na opinião do ministro, a cobertura jornalística do tema não foi muito extensa até aqui. Ele excetua dessa avaliação o empenho do jornalista Fernando Rodrigues, 'um dos baluartes dessa luta', que resultou em cobertura mais atenta da Folha, e matérias publicadas no Valor. Na televisão, diz Hage, o assunto só aflora durante entrevistas mais longas que concede, quando há oportunidade de abordar diferentes questões.

Mídia colabora pouco para ampliar consciência

Paula Martins, da ONG Artigo 19, relembra que a primeira lei sobre acesso a informações públicas foi elaborada em 2003, no início do governo Lula. Em 2009 foi elaborado novo projeto, o que está no Congresso. Segundo a advogada, 'a mídia colabora muito pouco para a ampliação da consciência sobre o tema'.

'Há alguma coisa sobre transparência e e-governo, mas falta informação que vá além dos orçamentos públicos', aponta Paula. 'Por exemplo, sobre a Lei de Acesso a Informação Ambiental, a Lei Maria da Penha – que no final de 2010 ganhou reforço com portais na internet destinados ao público jovem e a profissionais de direito −, normas que estabelecem sistemas de informação, bancos de dados criados que não conversam uns com os outros, ou bancos de dados que nem foram criados.'

Para a advogada, o jornalismo investigativo de qualidade será beneficiado com a nova regulação, mas essa expectativa não se refletiu numa cobertura jornalística mais intensa, diferentemente de outros países, onde a mídia teve papel destacado no processo de reformulação legislativa.

Paula Martins destaca a institucionalização, pela nova lei, do direito de se fazer um pedido de informação e receber uma resposta, e da divulgação proativa de informações mínimas, por parte dos governos. Ela chama a atenção para o fato de que a colaboração entre os governos brasileiro e americano em torno de uma estratégia para a transparência, acertada entre os presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama, torna o assunto uma questão de Estado.

Mais democracia vai requerer muito trabalho

A professora da UFRJ Ana Malin saúda a iniciativa de modernizar a legislação como avanço nos campos democrático e administrativo, mas estabelece uma divisão entre o lado político, ligado à questão da transparência e da cidadania, e as questões de gestão. 'Imagine-se o que implica mudar o padrão de funcionamento do serviço público para levar essa lei à pratica, obter os padrões de gestão na administração que consigam responder a essas novas exigências', alerta. 'Nos Estados Unidos, a legislação correspondente foi adotada nos anos 1970. Não é pouco trabalho. É transformar a guarda e a disposição de informações em microambientes num dos eixos estruturantes da administração publica.'

Ana lembra que a antiga Secretaria Especial de Informática (SEI), criada em 1979, tinha essa intenção. Chegou a criar um catálogo de bancos de dados. Durante o governo de Fernando Collor (1990-92), a Subsecretaria de Informática da Secretaria de Administração Federal realizou um trabalho intenso, promoveu reuniões em que todos os ministérios estavam representados, de tal forma que todos os sistemas de informação fossem avaliados – mas esse esforço morreu na praia.

Digitalização em rede torna o Estado poroso

'A lei dá um marco político importante no sentido da transparência', afirma a professora, 'mas coloca um conjunto de tarefas difíceis, num momento histórico em que é complicado estruturar o governo em rede, porque o Estado fica muito poroso, como se viu com o advento do Wikileaks. Num mundo de informação digital, com o volume que essa atinge, é difícil controlar.'

Como exemplo da dificuldade para fazer cumprir a lei, ela aponta o Capítulo II, que em quatro artigos e numerosos parágrafos trata 'do acesso a informações e da sua divulgação'. No artigo 7º do projeto são listados os direitos de obter, entre outras, ...

'...informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus [do poder público] órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos; informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado; informação primária, íntegra, autêntica e atualizada'.

Resistências previsíveis

'Para que isso envolva as grandes bases de dados, as mais importantes, será preciso mudar o padrão de trabalho de determinadas áreas da administração pública', diz Ana Malin. 'E haverá resistência nas áreas que trabalham na base de acordos políticos, cuja premissa é não precisar organizar a base de dados, dar transparência. Em outras palavras, áreas que funcionam na base do fisiologismo.' A professora prevê que esses setores tenderão a se 'fingir de mortos' diante da mudança em direção a uma cultura mais republicana, de reconhecimento de direitos universais.

Ao mesmo tempo, é preciso haver preocupação com a privacidade, que protege a pessoa física. 'Que informações vocês têm a meu respeito?'. Por exemplo, diz Ana, não é possível obter uma ficha do indivíduo no Dops, antiga polícia política, e publicar o conteúdo no jornal sem consultar esse indivíduo. 'Aqui, não se trata de transparência, mas do necessário sigilo. O Estado só pode tornar públicos esses dados por mandado judicial ou porque o indivíduo concordou.'

Dados da Receita Federal

A Receita Federal, diz a professora, tem mecanismos que tornam complicado o acesso aos dados sob sua guarda. Mesmo assim, na campanha eleitoral de 2010 foram divulgadas informações sobre familiares e amigos do candidato presidencial José Serra. 'E no Centro de São Paulo são vendidos por ambulantes CDs com dados cadastrais de milhares de contribuintes.'

O padrão de seriedade encontrado nos Estados Unidos e na Europa, explica a professora, 'vem da concepção burocrática no bom sentido, no sentido da impessoalidade, da separação entre cargo e pessoa'.

Exatamente o contrário da tradição brasileira. Assim, será necessária uma mudança cultural. 'Mas ela só não basta', diz Ana. 'Serão necessários muito tempo de trabalho da gestão pública inteira e muitos recursos. Mas esperemos que a lei vire um norte para a administração pública. Isso será muito bom.'

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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Os imigrantes, órfãos da globalização

Carta Maior - Blog do Emir Sader:

"Os imigrantes, órfãos da globalização

A situação dos trabalhadores imigrantes é das mais significativas do mundo contemporâneo. A desregulamentação promovida pelo neoliberalismo permitiu o deslocamento dos capitais para qualquer parte do mundo que, por sua vez, pôde engajar força de trabalho nas melhores condições para eles.

Para tomar casos concretos de países que mais exportam mão-de-obra no nosso continente, El Salvador e Equador dolarizaram suas moedas, com as correspondentes consequências dramáticas que introduziram. Seguiram as indicações do FMI e se tornaram vitimas privilegiadas do livre comércio. Suas economias foram abertas, sua economia dolarizada, com um empobrecimento acelerado de toda a população e imigração maciça dos seus trabalhadores, buscando emprego e fontes de renda para envio às suas famílias.

El Salvador exportou maciçamente mão-de-obra para os EUA, o Equador para a Espanha. Trabalhadores que passaram a ser submetidos à superexploração da sua força de trabalho, seja por estar em condições de absoluta ilegalidade ou sem possibilidades de acolher-se às proteções possíveis do trabalho: legislação do trabalho, Justiça do Trabalho, sindicatos.

Eles se tornaram chave do ponto de vista econômico, porque as taxas de exploração da sua força de trabalho alimentam fortemente o processo de acumulação de capital. No caso dos EUA, se concentram – junto aos mexicanos e a outros imigrantes latino-americanos – no setor de serviços, que ganhou peso cada vez maior nesse país, conforme a estrutura produtiva foi em parte deslocada para outros países, com mão de obra muito mais barata – como México, China, entre outros.

No caso da Espanha, os trabalhadores equatorianos – junto a outros latino-americanos – alimentaram o boom da construção civil, motor do ciclo expansivo que explodiu recentemente por suas fragilidades na expansão do crédito, de forma similar ao que aconteceu nos EUA -, assim como se concentram nos trabalhos domésticos. Como sempre, trabalhos desqualificados, que não interessam aos trabalhadores espanhóis.

Esses trabalhadores são os mais fragilizados do ponto de vista da garantia dos seus direitos, em primeiro lugar, do emprego. Quando chegou a crise, foram os primeiros a perder seus postos de trabalho, com todas as consequências, antes de tudo a suspensão do envio de recursos para suas famílias nos seus países originários. Eles compõem o grosso das enormes taxas de desemprego nesses países – mais de 20% na Espanha e de mais de 45% entre os jovens, mesmo se uma parte deles não está computada, por estar em condições de absoluta informalidade.

Além da dimensão econômica do fenômeno, há as dimensões sociais e culturais. São submetidos a formas de marginalização, são discriminados, quando não diretamente criminalizados. Concentram assim os trabalhadores imigrantes alguns dos principais problemas do mundo contemporâneo.

Mas um caso ainda mais grave tornou-se um dos exemplos mais escandalosos de catástrofe humanitária. Se os trabalhadores latinoamericanos são aceitos em um país como a Espanha, mesmo com todas as limitações apontadas e outras mais, os africanos nem sequer conseguem chegar ao país. Fazem todos os esforços para tratar de chegar às costas espanholas, mas são simplesmente rejeitados. Semanalmente chegam nos mais diferentes tipos de embarcação, o que faz com que uma proporção alta não resista à travessia. Os outros são presos e devolvidos para os países de onde saíram.

Não há sequer estatísticas confiáveis sobre sua quantidade, mas são vários milhares, rejeitados ou mortos. Não existem como cidadãos, ninguém os representa, não possuem nenhum direito, são invisíveis. Os espanhóis se acostumaram a pequenas notas nos jornais sobre mais uma embarcação apreendida e o numero de prováveis mortos. Mesmo dispostos a trabalhar em quaisquer condições, nem sequer quando a economia espanhola crescia eram aceitos, menos ainda agora que o país tem uma economia literalmente falida.

São todos órfãos da globalização neoliberal. No caso dos africanos, os casos mais extremos, mais graves, mais desamparados. O livre comércio vale para as mercadorias e os serviços, mas não para os trabalhadores, os seres humanos.

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Cuba e a repórter da Folha: quem afunda?

Carta Maior:

"Cuba e a repórter da Folha: quem afunda?

A enorme propaganda contra o regime cubano acabou por criar, como subproduto planejado, uma imagem distorcida sobre os habitantes da Ilha, apresentados ora como guerrilheiros ferozes, desconhecedores de fronteiras, ora como prisioneiros tristes e infelizes de uma ditadura.

Gilson Caroni Filho

Alaine Gonzáles e Reinel Herrera são trabalhadores autônomos cubanos. Ambos foram escolhidos pela jornalista Flávia Marreiro, enviada especial da Folha de São Paulo a Havana, como personagens errantes de uma economia em frangalhos. Seguindo um padrão de cobertura vigente há 50 anos, a repórter da elabora um texto com pouca informação e direcionamento enviesado, não somente sobre o país, no sentido político e econômico, mas principalmente sobre o povo, sua história, sua cultura e seus hábitos.

A enorme propaganda orquestrada contra o regime cubano acabou por criar, como subproduto previsto e planejado, uma imagem distorcida sobre os habitantes da Ilha, apresentados ora como guerrilheiros ferozes, desconhecedores de fronteiras, ora como prisioneiros, tristes e infelizes, de uma ditadura. É compreensível o sucesso desse tipo de campanha, quando se avalia o poder da rede de comunicação capitalista.

É natural que o jornalismo nativo não possa perceber a dinâmica que se apresenta aos seus olhos. Se Flávia Marreiro conseguisse se desvencilhar da viseira ideológica, talvez conseguisse enxergar os personagens com outras roupagens e expectativas. Alaine e Reinel, como o restante do povo cubano, têm consciência das suas dificuldades. Por outro lado, crêem na revolução porque sabem que são participantes ativos de um processo tão rico quanto denso. Não se sentem impotentes diante dos problemas: reclamam e atuam dentro de uma estrutura política que lhes permite, independentemente do poder econômico ou dos conchavos políticos, resolver problemas que os afligem.

Como cidadão esclarecido, bem informado e politizado, o cubano é o verdadeiro crítico do regime. Critica e aponta saídas. Trabalha e, quando a nação necessita da sua presença, lá está ele, pronto para defender sua revolução com o seu próprio sangue. Aqueles que não quiseram trabalhar pela coletividade ou que sequer queriam trabalhar se foram pelo Porto Mariel, iludidos pela falsa propaganda que vinha dos Estados Unidos, onde pensavam encontrar dinheiro fácil. Flávia chegou tarde, com uma pauta envelhecida.

Nem Alaine, nem Reinel Herrera viveram os problemas da etapa anterior a 1959, quando o desemprego era superior a 16,4% e o subemprego estava em torno de 34,8%. Eles já vieram ao mundo num país de - praticamente- pleno emprego. Também não conviveram com as taxas de analfabetismo de 23,6%, nem com o sistema escolar que, de 100 crianças matriculadas nas escolas públicas, deixava 64 no meio do caminho, sem terminarem o 6º ano. Hoje, apesar de todos os problemas, a taxa de analfabetismo não chega a 3% e não existem crianças em idade escolar sem colégio.

Com uma assistência médica nacionalizada, nenhum dos dois conheceu o pais que concentrava 65% da população nas áreas urbanas, que tinha 70% da indústria farmacêutica controlados por empresas estrangeiras, em que a expectativa de vida era de 62 anos e a mortalidade infantil de 40 por mil nascidos vivos. Já a mortalidade materna era de 118,2 por 10 mil nascidos. Esses dados, por certo, não estão no departamento de pesquisa dos jornais dos Frias, Marinhos e Mesquitas. Flávia, a nossa brava repórter, talvez não disponha de outras informações que lhe seriam de extrema utilidade na cobertura da reunião do Partido Comunista Cubano.

Antes da revolução, menos de 2.500 proprietários possuíam 45% das terras do país e 8% das fazendas concentravam 71% da área disponível. Até 1959, somente 11,2% dos trabalhadores agrícolas tomavam leite, 4% comiam carne,1% consumia peixe. Na Cuba de Alaine e Herrera, o consumo de leite e carne é superior a todos os outros países do continente. Se nos anos 1980, quando os dois entrevistados nasceram, a implementação do processo revolucionário continuava, foi a década de 1960 que abriu caminho ao desenvolvimento econômico e, sobretudo aquela em que se resistiu às agressões armadas, bombardeios e à tentativa de invasão norte-americana que definiu o caráter socialista da revolução.

Todo o conjunto de medidas políticas e econômicas custou a Cuba o bloqueio econômico e diplomático imposto pelos Estados Unidos. A situação voltaria a se agravar após o fim da URSS e do bloco socialista, mas o colapso tão esperado pelo Império e seus sócios não veio.

O sistema econômico procurou proporcionar o desenvolvimento e o crescimento do país de uma forma igualitária. Ernesto Che Guevara, quando ministro da Indústria, ilustrou bem qual a diferença entre sistema econômico e desenvolvimento. Para ele, um anão enorme com tórax enchido é subdesenvolvido, porque seus curtos braços e débeis pernas não se articulam com o resto de sua anatomia. É produto de um desenvolvimento teratológico que distorceu suas formações sociais. A descrição sobre o restante da América Latina não podia ser mais precisa.

Se, de fato, o Partido decidir demitir 500 mil funcionários, enxugar o Estado e aumentar a produtividade, como relata a grande imprensa, a anatomia cubana não permite vislumbrar um mergulho na lógica fria dos ditames do mercado. A perspectiva que só a história dá, para avaliar em toda a sua dimensão, os erros e acertos, o processo que implantou, pela primeira vez, o socialismo na região, mostra um organismo social saudável, preparado para mudanças necessárias.

O célebre 'mudamos ou afundamos' atribuído a Raul Castro não é, como supõe a matéria da Folha, a expressão dramática de uma situação. As crises permanentes que a revolução atravessou, impostas para fazê-la fracassar, fizeram com que a retificação de rumos e a concepção de novas idéias se tornassem elementos constitutivos da nação caribenha. Fátima Marreiro pode ter uma certeza: Cuba não afundará.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil


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