sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Seria possível uma onda vermelha?

Da Carta Maior:

DEBATE ABERTO
Na reta da chegada, seria possível uma onda vermelha?

Lideranças como o MST e Leonardo Boff vêm afirmando que é preciso afastar o risco tucano. Essa será a missão nas próximas semanas, para quem acredita num Brasil dinâmico, como pressente tão bem o povo em sua sabedoria, que parte de sua vida real, tantas vezes sofrida e agora sentindo mudanças.

Luiz Alberto Gómez de Sousa


Duas observações iniciais. Não tenho militância partidária. Aposto, antes de tudo, num processo de mutações sócio-políticas a largo prazo e na caminhada das forças populares. Acompanho com interesse os movimentos sociais e sinto que eles são determinantes, como mediadores das forças que atuam na sociedade, ainda que alguns deles, presos a análises ideológicas abstratas, tenham descolado do povo real. Já adianto que isso não se deu no MST, sempre ligado às bases. Além disso, em certas ocasiões, principalmente no começo de novos processos históricos, os partidos e o governo também podem chegar a ter especial importância, dando oportunidade às forças sociais e a seus movimentos de se manifestarem e crescerem. É aí que o Estado, como sociedade política, pode assumir um papel relevante. No caso do Brasil, ele esteve presente em momentos de construção da nação e daí os esforços de alguns para desconstruí-lo e reduzi-lo a um estado mínimo.

A segunda observação é que, sentindo a sensibilidade mais profunda da nação e de seus apoios sociais concretos, dá para perceber que transformações radicais já começaram a se dar com firmeza durante o período do governo Lula. É preciso que elas sigam adiante, apoiadas por próximos mandatos, para tornar o processo social sempre ascendente e cada vez mais sólido. Há tempos históricos únicos, como a Holanda no século XVII ou a Inglaterra no XIX, em que a nação, com as contradições e imperfeições inevitáveis, passou a outro patamar. Pareceria que o Brasil atravessa um momento desses. E então Estado, partidos, movimentos, têm um papel fundamental.

São processos que dependem de forças nos subterrâneos da sociedade (underground), que se expressam através de diferentes atores, movimentos ou lideranças. Neste momento preciso do Brasil, as forças populares e o PT têm cumprido, com Lula, um papel protagonista. Não é a toa que todas as baterias dos setores até agora dominantes se voltam contra eles, principalmente contra o PT, retomando ou reinventando velhos ou novos dossiês e todo tipo de denúncias. O próprio partido, às vezes, pode ter fornecido material para os ataques, mas na maioria das vezes estes são forjados ou adulterados. E existem dentro do PT, há que convir, nichos de uma “nomenclatura” de velhos hábitos que nem sempre ajudam. Há também, na oposição de esquerda, aqueles que aguardavam milagres que não tinham condições objetivas de se realizar e se desiludiram proporcionalmente a suas esperanças inalcançáveis. Eles se unem, mesmo sem querer, às azedas críticas conservadoras.

No centro de processo está um dirigente genial, que encarna magistralmente o papel de catalisador de possibilidades. Fora do Brasil isso é mais bem entendido do que aqui, por parte de meios de comunicação que se auto-proclamam “formadores de opinião”. Como seria possível tal pretensão, quando a maioria acachapante da população caminha em outras direções? Há neste momento um encontro raro na história entre bases reais e uma liderança que saiu de dentro delas. Uma gangorra de alternância política agora não ajudaria, a não ser para politólogos que só se fixam em aspectos institucionais em suas análises acadêmicas, fora de um contexto histórico real.

A popularidade de Lula é esmagadora, assim como o crescimento de Dilma nas pesquisas. Esta última provou ter vôo próprio e tem demonstrado nos últimos anos, enorme capacidade de propor e de realizar. Depois de um tempo de carisma fulgurante, precisamos talvez de um esforço de consolidação em alto nível e especial tino administrativo. Os meios de comunicação atucanados tudo fizeram para negar (lembram-se da Globo com as diretas?), mas aos pouco vão tendo que aceitar a realidade. E agora se voltam para a eleição em outros níveis. Estes é que devem então ocupar a nossa atenção nas próximas semanas.

O problema no futuro imediato não será o PSDB, na sua função normal, numa democracia, de ser oposição, mas o PMDB, com dentes aguçados, pensando em uma possível co-habitação. Este já conseguiu colocar como candidato a vice-presidente um político tradicional, incolor porém matreiro. Dá a impressão de que o próprio Lula – ou alguns de seus assessores – não acreditavam na consistência do processo e entraram rapidamente em alianças ambíguas.

Foi um erro o PT não ter candidatos próprios no Rio de Janeiro e em Minas Gerais que, bem apoiados, poderiam ter sido alternativas reais (no caso do Rio não é a primeira vez que ocorre esse erro, imposto desde uma paulicéia míope). Resta-nos aqui votar em Sérgio Cabral e, em Minas, fazer um esforço especial em Hélio Costa, com a vantagem deste último ter, como companheiro de chapa, um político do valor de Patrus Ananias. Haveria que apostar fundo em São Paulo na eleição de Mercadante, que está em ascensão (lembram-se de Erundina nas últimas semanas?). Outro desafio está no Rio Grande do Sul, para Tarso Genro já vencer no primeiro turno, pois num segundo corre perigo com a união dos adversários. Temos eleições que vão bem, com o PT ou aliados confiáveis, como no Acre, na Bahia, em Pernambuco, Ceará ou Sergipe.

Há que dizer que as alianças, dependendo de quais sejam, podem trazer benefícios e uma dimensão pluralista. Um partido isolado e intolerante arrisca cair no autoritarismo ou resvalar no clientelismo. Alianças com o PSB de Eduardo Campos, o PC do B e de setores do PDT podem ser saudáveis. Por outro lado, alguns nanicos podem atrapalhar, pela sede de poder. No próprio PMDB há lideranças respeitáveis e de valor como a de Pedro Simon, mas a seu lado temos Jader Barbalho, Renan Calheiros, o inefável Sarney e a figura de Orestes Quércia, que pelo menos apóia Serra e está do outro lado. Ciro Gomes anda calado, fazendo campanha para seu irmão no Ceará, mas é um nome que seria útil no futuro. Que fim inglório o do histórico partidão, travestido num conservador e raivoso PPS!

Um escândalo é o que ocorre no Maranhão. Ali Jackson Lago, administrador eficiente, foi derrubado pelo clã Sarney. E infelizmente, ressentido, quis ser candidato juntando-se a Serra. Ele possivelmente cairá logo adiante pela Ficha Limpa. Mas o governo não precisava apoiar acintosamente Roseana, quando tem também ali, na base aliada, um Flávio Dino, do PC do B, que poderia, ao eleger-se, limpar o estado de um coronelismo anacrônico. Os votos de Jackson poderiam ajudar. Será que o eleitorado, mesmo num estado difícil como o Maranhão, não fará essa escolha? Lembremos que no Pará, no passado, as bases se rebelaram com decisões da direção petista.

O outro grande e fundamental esforço é com senadores e deputados. Assim, no Rio, seria importante, por exemplo, eleger Lindberg Farias para senador, Alessandro Molon ou Antonio Carlos Biscaia para deputados federais, Robson Leite para deputado estadual. Seria tempo, nas várias instâncias eleitorais, de preparar o declínio inglório de certas lideranças. Para isso há que aproveitar o grande momento do Ficha Limpa, que a sociedade praticamente impôs aos partidos. Um líder do governo ousou dizer que esse projeto não era prioridade do estado, apenas da sociedade, e por isso não tinha a mesma prioridade de outros projetos. Ainda bem que o fizeram calar a tempo.

As eleições se resolvem nas últimas semanas. É sempre perigoso cantar vitória antes do tempo. Mas com imaginação e um pouco de audácia, poderíamos apostar numa onda vermelha, na reta de chegada. É hora de colocar as energias em todos os níveis eleitorais. Há uma grande tarefa de melhorar o legislativo, literalmente avacalhado, agora que o Ficha Limpa vem para dar uma varredura geral. O eleitorado poderia afastar certos candidatos sem esperar decisões judiciárias. Afinal, ele é o próprio autor do projeto, através de movimentos sociais e de mobilizações massivas.

É difícil falar de Marina Silva, grande liderança que, como Lula, saiu das bases da sociedade. Quando a conheci, passei a ter por ela uma grande estima, admirando sua inteligência e sensibilidade. Mas o fato de ser empurrada para a disputa do poder, fez com que suas intuições e força telúrica em corpo franzino, perdessem a limpidez das propostas que trazia. Foi levada a falar de tudo um pouco, sem marcar uma diferença expressiva e criativa. Teria sido mais útil se tivesse ficado como uma voz lúcida e livre no cenário nacional e internacional, no parlamento ou em cargo executivo e não arrastar-se monotonamente nas pesquisas entre 8 e 9% do eleitorado. Se essa cifra correspondesse a uma real sensibilidade ecológica, até que seria muito bom. Mas há ali misturados votos negativos de rejeição e também, ainda que menos visível, um papel que a velha UDN jogou no passado, com propostas puristas que caíam muito bem em certos meios sociais. E, via Gabeira, encontra indiretamente Serra.

Alguns, com viseiras ideológicas abstratas e uma visão absolutista, continuam com a cantilena de que todos os candidatos principais são iguais, negando o processo histórico em marcha. Todos eles somados apenas poderiam ultrapassar o 1% do eleitorado. No fundo, parecem estar dizendo que o povo não sabe votar e que é preciso apostar numa elite iluminada e vanguardeira que um dia imporia a luz.

Felizmente lideranças expressivas, como o MST e Leonardo Boff, vêm afirmando que é preciso afastar o risco tucano. Essa será a missão nas próximas semanas, para quem acredita num Brasil dinâmico, como pressente tão bem o povo em sua sabedoria, que parte de sua vida real, tantas vezes sofrida e agora sentindo mudanças. Na urna já seria tempo de pôr em prática a Ficha Limpa. E há, sobretudo, que dar liberdade a Dilma para fazer um governo com menos amarras que o atual, com outro legislativo que possa defendê-la melhor de alianças corrosivas e que reabilite esse poder, essencial numa democracia.

Luiz Alberto Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.

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