Carta Maior:
No início dos anos 90 obteve grande repercussão midiática a tese do 'fim da História', elaborada por Francis Fukuyama, economista, professor de Filosofia Política e um dos principais ideólogos dos anos Reagan. Segundo essa tese, a História teria chegado ao fim com a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética. Esses dois acontecimentos marcariam a vitória definitiva da democracia liberal e do modelo de civilização liderado pelos Estados Unidos. Ao longo da década de 90, essa ideia andou de mãos dadas com um fervoroso entusiasmo pela globalização que estaria derrubando fronteiras e levando o mundo a um novo patamar. A contrapartida dessa ideologia, no terreno econômico, era uma agressiva onda de privatizações e desregulamentação da economia, especialmente no plano financeiro. A globalização que ocorreu, de fato, foi sobretudo a do capital financeiro.
Marco Aurélio Weissheimer
Fukuyama publicou o artigo intitulado “O fim da história”, em 1989. Três anos depois, reapresentou o tema em um outro texto, “O fim da história e o último homem”. A tese central dos dois textos consistia em fazer uma apologia da superioridade do capitalismo e da democracia liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes. A partir dali, a única oposição se manifestaria sob a forma de focos isolados de nacionalismo e do fundamentalismo islâmico que ficariam restritos à periferia do sistema. O mundo entraria, comemorava Fukuyama, em uma nova fase dourada, um novo renascimento, marcado desta vez pelo desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação que dissolveriam as fronteiras do planeta.
Não é a primeira vez que isso acontece. A História costuma ridicularizar esse tipo de profecia determinista que pretende ditar os rumos do mundo. Fukuyama teve seus momentos de glória. Ganhou imenso espaço midiático e fez conferências mundo afora. E eis que, apenas 20 anos depois, suas teorias foram reduzidas a pó. A História não só não acabou como atravessa hoje um período de grande turbulência.
O admirável mundo novo prometido pela globalização financeira resultou em uma das mais graves crises da economia ocidental. Por uma dessas ironias que a História parece gostar de praticar as receitas econômicas amargas de austeridade impostas a países da América Latina, Ásia e África hoje adotadas nos Estados Unidos e na Europa como suposta solução para a crise econômica. Bilhões de dólares foram pelo ralo com os negócios do cassino financeiro global. O Estado, apresentado até então pelos defensores deste sistema, como um gigante a ser diminuído, foi chamado a socorrer grandes bancos e instituições financeiras privadas. Quem pagou o socorro foram os contribuintes que agora são chamados a apertar os cintos para pagar essa conta. A crise econômica que atingiu os EUA e a Europa repercutem, é claro, em todo o mundo.
No plano político, o mundo vive também um período de turbulência, consequência direta dessa crise econômica. Há apenas alguns meses, ninguém se atreveria a prever a eclosão de múltiplas revoltas populares em países do Oriente Médio, da África e, mais recentemente, da Europa. Governos que eram apontados como padrão de estabilidade, como é o caso do Egito, foram obrigados a renunciar em poucas semanas. A guerra da Líbia levou os EUA e seus aliados europeus a se envolverem em mais um conflito armado na região mais instável do planeta. A combinação da instabilidade política com a crise econômica constitui um caldo de cultura explosivo de consequências imprevisíveis. Na Europa, milhares de jovens estão saindo às ruas em diversos países em protesto contra o desemprego, a falta de perspectivas e a falência do sistema político tradicional. Nos últimos meses, as manifestações ruas multiplicaram-se pela Islândia, Grécia, Inglaterra, Espanha e Portugal, entre outros países.
Por outro lado, o terremoto e o tsunami que devastaram o Japão no dia 11 de março acabaram provocando, além de um saldo trágico de milhares de mortos e de grande destruição material, um acidente nuclear de proporções ainda não bem conhecidas, com repercussões globais. A perspectiva de uma tragédia planetária esteve bem presente até bem poucos dias, levando mais uma vez milhares de pessoas às ruas, especialmente no Japão e na Alemanha, país que já decidiu desmontar seu sistema de usinas nucleares.
O resumo da obra, neste início de 2011, é, portanto, o seguinte: crise econômica internacional, elevado índice de desemprego em países apontados até então como modelos de estabilidade, revoltas populares e guerras civis na África e Oriente Médio, grandes protestos populares na Europa, desastres naturais e um acidente nuclear de grandes proporções e consequências imprevisíveis.
Diante desse conjunto de problemas e da crise das representações políticas tradicionais, as ruas voltaram a ser um espaço de manifestação e debate público. Este novo especial da Carta Maior pretende registrar algumas das principais expressões deste renascimento das ruas, um fenômeno salutar para uma democracia que está sendo cada vez mais ameaçada por um sistema econômico predatório, alicerçado fundamentalmente no setor financeiro. A história não só não acabou como está viva e pulsante nas ruas de diversas cidades do mundo.
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No início dos anos 90 obteve grande repercussão midiática a tese do 'fim da História', elaborada por Francis Fukuyama, economista, professor de Filosofia Política e um dos principais ideólogos dos anos Reagan. Segundo essa tese, a História teria chegado ao fim com a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética. Esses dois acontecimentos marcariam a vitória definitiva da democracia liberal e do modelo de civilização liderado pelos Estados Unidos. Ao longo da década de 90, essa ideia andou de mãos dadas com um fervoroso entusiasmo pela globalização que estaria derrubando fronteiras e levando o mundo a um novo patamar. A contrapartida dessa ideologia, no terreno econômico, era uma agressiva onda de privatizações e desregulamentação da economia, especialmente no plano financeiro. A globalização que ocorreu, de fato, foi sobretudo a do capital financeiro.
Marco Aurélio Weissheimer
Fukuyama publicou o artigo intitulado “O fim da história”, em 1989. Três anos depois, reapresentou o tema em um outro texto, “O fim da história e o último homem”. A tese central dos dois textos consistia em fazer uma apologia da superioridade do capitalismo e da democracia liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes. A partir dali, a única oposição se manifestaria sob a forma de focos isolados de nacionalismo e do fundamentalismo islâmico que ficariam restritos à periferia do sistema. O mundo entraria, comemorava Fukuyama, em uma nova fase dourada, um novo renascimento, marcado desta vez pelo desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação que dissolveriam as fronteiras do planeta.
Não é a primeira vez que isso acontece. A História costuma ridicularizar esse tipo de profecia determinista que pretende ditar os rumos do mundo. Fukuyama teve seus momentos de glória. Ganhou imenso espaço midiático e fez conferências mundo afora. E eis que, apenas 20 anos depois, suas teorias foram reduzidas a pó. A História não só não acabou como atravessa hoje um período de grande turbulência.
O admirável mundo novo prometido pela globalização financeira resultou em uma das mais graves crises da economia ocidental. Por uma dessas ironias que a História parece gostar de praticar as receitas econômicas amargas de austeridade impostas a países da América Latina, Ásia e África hoje adotadas nos Estados Unidos e na Europa como suposta solução para a crise econômica. Bilhões de dólares foram pelo ralo com os negócios do cassino financeiro global. O Estado, apresentado até então pelos defensores deste sistema, como um gigante a ser diminuído, foi chamado a socorrer grandes bancos e instituições financeiras privadas. Quem pagou o socorro foram os contribuintes que agora são chamados a apertar os cintos para pagar essa conta. A crise econômica que atingiu os EUA e a Europa repercutem, é claro, em todo o mundo.
No plano político, o mundo vive também um período de turbulência, consequência direta dessa crise econômica. Há apenas alguns meses, ninguém se atreveria a prever a eclosão de múltiplas revoltas populares em países do Oriente Médio, da África e, mais recentemente, da Europa. Governos que eram apontados como padrão de estabilidade, como é o caso do Egito, foram obrigados a renunciar em poucas semanas. A guerra da Líbia levou os EUA e seus aliados europeus a se envolverem em mais um conflito armado na região mais instável do planeta. A combinação da instabilidade política com a crise econômica constitui um caldo de cultura explosivo de consequências imprevisíveis. Na Europa, milhares de jovens estão saindo às ruas em diversos países em protesto contra o desemprego, a falta de perspectivas e a falência do sistema político tradicional. Nos últimos meses, as manifestações ruas multiplicaram-se pela Islândia, Grécia, Inglaterra, Espanha e Portugal, entre outros países.
Por outro lado, o terremoto e o tsunami que devastaram o Japão no dia 11 de março acabaram provocando, além de um saldo trágico de milhares de mortos e de grande destruição material, um acidente nuclear de proporções ainda não bem conhecidas, com repercussões globais. A perspectiva de uma tragédia planetária esteve bem presente até bem poucos dias, levando mais uma vez milhares de pessoas às ruas, especialmente no Japão e na Alemanha, país que já decidiu desmontar seu sistema de usinas nucleares.
O resumo da obra, neste início de 2011, é, portanto, o seguinte: crise econômica internacional, elevado índice de desemprego em países apontados até então como modelos de estabilidade, revoltas populares e guerras civis na África e Oriente Médio, grandes protestos populares na Europa, desastres naturais e um acidente nuclear de grandes proporções e consequências imprevisíveis.
Diante desse conjunto de problemas e da crise das representações políticas tradicionais, as ruas voltaram a ser um espaço de manifestação e debate público. Este novo especial da Carta Maior pretende registrar algumas das principais expressões deste renascimento das ruas, um fenômeno salutar para uma democracia que está sendo cada vez mais ameaçada por um sistema econômico predatório, alicerçado fundamentalmente no setor financeiro. A história não só não acabou como está viva e pulsante nas ruas de diversas cidades do mundo.
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