domingo, 30 de maio de 2010

A Estrutura de um Golpe de Estado e a nova Economia Política dos Povos

Crônicas e Críticas da América Latina:







Pedro Ayres

Jornalista

Em todos os momentos de crise, é comum que os meios de comunicação ouçam, convidem e abram espaço para as explicações dos experts. Na maioria das vezes, por pressão desse fogo de barragem pretensamente intelectual, o que era para ser esclarecido fica mais nebuloso e com ares de esotéricos mistérios.
O Brasil, por exemplo, vive um desses momentos, com uma ineludível tentativa de Golpe de Estado. Um Golpe que os mais simples e diretos vêem semelhança com o que há pouco sucedeu em Honduras, principalmente porque dois são os instrumentadores dessa tentativa - a grande mídia nacional e setores do Poder Judiciário.
Ora, como o ex-governador de São Paulo, detém os apoios do Departamento de Estado, do Pentágono e da CIA, ao negar veracidade até aos relatórios da ONU (http://www.unodc.org/documents/wdr/WDR_2009/WDR2009_Coca_Cocain_Market.pdf) a respeito do mercado de drogas no mundo, tem nítidos objetivos de criar uma situação "legal" de insegurança para a candidatura de Dilma Rousseff, que lidera as pesquisas de intenções de voto, assim, sob esse suporte midiático-“legal” fica mais fácil arguir a ilegitimidade de sua postulação eleitoral e assim surjam as "desculpas e razões" para um "golpe suave" e com isso a restauração do poder imperial, a exemplo do que acontecia nos idos de FHC.
Assim, ao tomar emprestado o comentário de Samira I. Silva, leitora do Blog Tijolaço, do Deputado Federal Brizola Neto, há o objetivo de tornar mais claro e consistente aquilo que não é dito ou explicado pela mídia, além de servir como introdução a este post.
Serra está louco? Não. É a arquitetura de um golpe
" Acredito que todos nós, brasileiros preocupados com os rumos do Brasil, precisamos ficar muito atentos a certos indícios de que a Extrema Direita está arquitetando um golpe para impedir que Dilma assuma a presidência. Vejamos a arquitetura do Golpe:
1- A imprensa (PIG)tem um papel importante em tentar legitimar o golpe perante a opinião pública interna com argumentos podres;
2 – O Judiciário já tem papel definido na legalização golpista, já que tem parte de seu contingente totalmente a serviço da direita podre do Brasil;
3-Agora é a vez do Serra tentar o aval de um “advogado internacional” para seus interesses sujos. Para provocar aceitação internacional ao seu golpe “democrático” pós urnas, Serra tenta o engajamento americano em sua Campanha. Os episódios “Serra ataca o Mercosul” e o mais recente “Serra ataca a Bolívia”, não são simplesmente sandices senis como pode parecer à princípio, mas sim uma estratégia estudada para convencer governo e investidores americanos de que ele (Serra) será o melhor presidente do Brasil que os EUA já tiveram. Com isso ele pretende tanto conseguir investimentos ilícitos de gigantes empresarias americanos (Petroleiros principalmente) para sua campanha presidencial quanto buscar apoio para um golpe pós urnas, que objetiva desprezar o voto popular no Brasil e reinstalar a “democracia dos ricos entreguistas subjulgando a população trabalhadora”. Precisamos estar atentos e falar com todos na rua sobre isso, esclarecendo quem ainda não percebeu. Usar a internet para deixar claro que o povo brasileiro não vai aceitar mais um golpe. Na VERDADEIRA DEMOCRACIA, eleição se ganha no voto!"
Samira I.Silva — 30 de maio de 2010 @ 14:23
http://www.tijolaco.com/?p=16364#comments
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O quadro político-econômico do século XXI e a herança do século anterior têm merecido várias observações e análises mercedoras de uma boa discussão sobre alguns problemas e questões, como a crise do sistema e a aparecimento de países subdesenvolvidos tentando se organizar fora da lógica capitalista. São questões e problemas que nada têm de teóricos ou acadêmicos, mas reflexos do dia-a-dia da humanidade.
Numa delas, por exemplo, ao se afirmar que "o grande transformador do fim do século 20 foi o processo de urbanização acelerado na Ásia, África e América Latina, com a incorporação de milhões ao trabalho assalariado"-, reforça-se o entendimento do desses processos econômicos como agentes de grande poder transformador, ora atuantes com muita potência na formação de relações sociais, ora gerando novas relações de produção e uma nova divisão internacional do trabalho. Como agora acontece em quase todo o mundo.
Hoje, quando se procura entender a nova realidade que surge no Século XXI como o aparente ressurgimento de velhas lutas anti-imperialistas, anticolonialistas e da clássica oposição entre Trabalho e Capital, é importante compreender que esses novos eixos materiais e subjetivos transformadores são os sinais de que uma nova Divisão Internacional do Trabalho está se organizando. Hoje os Estados Unidos, o Reino Unido, a Europa e o Japão não compreendem que ao cumprirem com os objetivos do sistema financeiro, na constante busca pela maximização dos lucros, mais do que minarem as bases econômicas de seus poderes imperialistas, pela própria natureza das relações engendradas pela precariedade daquele desenvolvimento a que estavam submetidos os povos do 3º Mundo, estavam gerando um novo modo de pensar coletivo. As grandes massas, mesmo sem profundas formulações teóricas, chegaram à compreensão de que um Novo Mundo tinha que ser inventado. E partiram para a invenção.
Uma invenção tão simples e ao mesmo tempo tão sofisticada que às vezes nos dá a nítida sensação de de que esse Novo Mundo é o produto onírico de todos os povos que algum dia já foram escravos, dominados, saqueados, explorados e espoliados. É o realismo mágico da economia política dos povos subdesenvolvidos. É a própria Utopia em processo de construção.
Foi, pois, através do exclusivo uso de suas históricas experiências de subjugados e espoliados que esses povos ousaram formular um outro tipo de política. Não mais aquela política dos acadêmicos opositores e nem a dos poderes oligárquicos, porém, uma política em que aparentemente houve a assimilação de tudo o que fora pregado como tese essencial para o lberalismo, como o voto sendo a base de todo esse novo tipo de poder. Esta ação popular é tão eficaz e objetiva que está a obrigar uma nova "leitura" do que seja democracia por parte do Imperialismo.
No passado quase recente, a democracia tinha no voto direto e universal o seu principal alicerce. Um alicerce que era mais profundo e forte de acordo com a quantidade e a periodicidade com que se realizavam as eleições. Se nessas eleições houvesse a mudança dos governantes, então mais democrático era o país e o processo. Como o povo compreendeu que poderia alterar a correlação das forças políticas a seu favor, gradual e lentamente o voto foi perdendo as suas características definidoras de estado democrático, principalmente se os eleitos não se ajustavam aos figurinos das classes dominantes internas e externas.
A democracia só existe quando o poder "decidido" pelo povo é mantido nas mãos daqueles grupos e classes sociais que historicamente o detinham. O simples fato de haver uma maioria de votos, mesmo que seja de forma esmagadora, perto dos 2/3, por exemplo, não comprova o existir político democrático. Prova apenas que a maioria do povo votou daquele modo, pois, segundo a hodierna interpretação elaborada pelo Império e seus "thinks tanks", uma democracia só existe quando o poder é exercido por quem detêm o domínio e a propriedade dos meios de produção e do capital. Um exercício de poder que lhes é delegado pelo povo de forma indireta, tanto que não pode ousar nenhuma modificação nesses procedimentos.
É, mais ou menos, o que estamos a ver aqui no Brasil, quando todas as estruturas político-econômicas oligárquicas e ligadas ao Império lançam-se com desespero na direção de um processo político capaz de romper a estabilidade constitucional do país. Como a tática de reproduzir a mesma relação político-social existente no campo e nas regiões dependentes economicamente de umas poucas atividades produtivas e de serviços não produz os resultados de antes, o jeito é tentar um outro processo, ainda que seja mais rude e ilegal.
A opção pela ruptura da legalidade, bem sucedida no passado e recentemente em Honduras, não é muito factível por aqui, a despeito dos apoios da mídia e de alguns servidores públicos ocupantes de altos cargos no Poder Judiciário. Essa dificuldade operacional pode ser explicada da forma mais singela possível - a melhoria das condições de vida da população e a recuperação de alguns direitos sociais que pareceiam estar perdidos para sempre, como o trabalho regular e a gradual caminhada no rumo do pleno emprego.
É aí, pois, que a urbanização assume um preponderante papel para a formação desse novo tipo de cidadania. O processo de urbanização, que tinha obedecido às novas necessidades de mão-de-obra e de consumo do capitalismo desse período, hoje, é um forte agente transformador e organizador da sociedade que está a ser construída pelos povos subdesenvolvidos.
Esse aparente paradoxo, de ter surgido uma nova visão organizativa popular a partir do neoliberalismo, é algo natural, pois, na maioria das vezes, mesmo tendo perdido algumas ilusões patrimoniais na transferência do campo para as cidades, além de recriarem novas bases para suas relações familiares e de amizade, ou seja , relações comunitárias, ao agirem dessa forma, construiram e constroem uma nova estrutura de base. Uma estrutura não estática e com capacidade para transformações mais velozes e adaptadas às emergentes necessidades de companheirismo, solidariedade e fraternidade, bem ao contrário do que pregava o ideário neoliberal.
O feminismo, o fracionamento das lutas sociais, a indivivuação em busca de direitos, a transferência de vários serviços e atividade públicas para entidades particulares, a precariedade do trabalho, o informalismo das ocupações produtivas ou de serviços, mais o "downsizing" de salários e empregos, ainda que tenham maléficos efeitos individuais e coletivos, foi a aplicação da "financeirização" ou "monetização" de toda a cadeia econômica com a finalidade de mais eficiência nos lucros empresariais.
Esse procedimento tinha que produzir quase que imediatos ganhos financeiros, mesmo que isso pudesse redundar na destruição de alguns segmentos da economia real. Ora, como o sistema se considera imune aos graves embates da realidade, afinal de contas, são quase seis séculos de existência, está com dificuldades para entender o que se passa. Assim, mantidas as naturais e justas diferenças e distâncias, os fatos políticos que estão a se suceder aqui no Brasil e no mundo têm as suas linhas mestras neste subterrâneo reaggiornamento que a economia real está a realizar. E o resultado será o avanço desse novo modo de pensar e agir do povo.
O comportamento de tais ou quais candidatos, ainda que suas histórias de vida e idiossincrasias pessoais possam ter alguma influência, tem por base o tipo de inserção social e econômica que determinam o seu presente político e a sua história política recente. Serra é o arcaismo predatório de um tipo X de capitalismo, já em vias de extinção. Dilma, por sua feita, é a clara representante do novo tipo de pacto que a sociedade brasileira, latinoamericana e mundial está a exigir. A vitória, como sempre, será e é do novo.
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Pedro Ayres

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