Copiado do Tijolaço.com, de Brizola Neto
São Paulo precisa ser líder nesta mudança
Ao longo do dia, vou tentar analisar os resultados do Datafolha em detalhes, agora que o instituto de pesquisa parece ter “entregado os pontos” e passado a fazer estatística em lugar de propaganda política. Como todos já sabem, a pesquisa divulgada hoje pela Folha de S. Paulo coloca Dilma 20 pontos à frente de Serra, com 49%, contra 29% do candidato tucano.
Ipiranga, um símbolo que São Paulo precisa partilhar com o Brasil
Ainda hoje de manhã, porque a gente não é de ferro, também posto uma sugestão de novo jingle para a campanha serrista, já que a gente tem o direito de ver, em matéria de pesquisas, como dizem os versos de Geraldo Vandré, “a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”.
Agora, entretanto, queria refletir com vocês sobre a oportunidade que se abre diante nós e que não pode ser desperdiçada.
Estamos nos aproximando de uma vitória estrondosa do povo brasileiro. A política, se não pode prescindir das pesquisas estatísticas, não se faz apenas com elas, mas com coerência de pensamento, sinceridade de sentimentos e, sobretudo, sensibilidade para perceber como caminha o processo social, como se forma e se expressa a consciência do povo brasileiro.
Não é preciso dizer que Lula percebeu isso como poucos, e tenho certeza de que eu aqui, modestamente, não incorria no erro de não perceber os sinais que ele dava.
Porque tudo que as pesquisas mostram, hoje, já existia, de forma subjacente, latente, perceptível, embora silenciosa.
Essa não seria a eleição do “paz e amor”, do “ele não morde”, do “não é comunista”. Seria a eleição da afirmação de um destino para o Brasil e para o povo brasileiro, com muito mais evidência do que foi a dele próprio, Luís Inácio Lula da Silva.
Lula o compreendeu, já desde o momento em que ungiu Dilma como sua candidata à sucessão.
Sua escolha, ela própria, foi um sinal. Não foi a simpatia, o peso eleitoral regional, o traquejo político que Dilma pudesse ter – embora quem a conheça sabe que a dureza que, eventualmente, ela possa ter transmitido a alguns venha não de sua natureza pessoal, mas da função de anteparo e de gestora que o presidente lhe dera ao colocá-la à frente da Casa Civil.
Dilma não é a candidata de Lula por acaso, ou apenas por qualquer simpatia pessoal que ele lhe vote. É a candidata de Lula porque nela Lula viu as características, ideológicas e de caráter pessoal, para assumir, a seu lado, o comando de um processo de transformação profunda do Brasil, o qual ainda mal começou.
Os últimos anos assemelham-se, metaforicamente, ao processo que se passou nos anos 30.
Lá, o Brasil arcaico, rural, das províncias e da política oligárquica, por uma ruptura das elites, de um lado, e um inconformismo popular que já se expressara no tenentismo e na Coluna Prestes, precisava romper aquelas estruturas para se tornar moderno, urbano, industrial. E numa sociedade que pretendia tornar-se moderna, urbana, industrial, as massas populares são, necessariamente, personagens protagônicos.
A inclusão dessas massas na vida nacional, substituindo a hegemonia patriarcal, teve em Getúlio Vargas seu ponto fulcral. Embora desde bem antes defendesse os valores de humanidade – então, os “princípios cristãos” de dignidade humana – o torvelinho de transformações é menos obra de Vargas do que do processo social. Seu valor e grandeza são tê-lo absorvido e simbolizado, introjetado tanto isto em si que sua própria vida física se tornou ferramenta deste seu dever de líder popular.
Esta mudança exigiu rupturas. E a maior delas foi, evidentemente, a perda de parte do poder das oligarquias paulistas. Um poder que não era apenas econômico, mas político ideológico. O argumento, claro, era a democracia em perigo – e a democracia, até ali, era a das eleições a bico de pena – e o discurso é que São Paulo era “a província” rica que sustentava o pobre Brasil. A história da locomotiva que puxava o pesado trem Brasil.
Só um louco deixaria de reconhecer a pujança de São Paulo e o caráter empreendedor de seu povo, inclusive daqueles que se tornaram, ali, os “capitães de indústria”.
Mas suas elites não viram que a modernização do Brasil, feita pelo Governo Vargas, significou até para elas um progresso e uma riqueza em escala que jamais teriam no Brasil arcaico que lamentaram em armas perder em 32.
Até os anos 60, o poder nacional foi repartido e São Paulo jamais teve prejuízos com isso. Foi lá que se formaram as grandes empresas brasileiras e para lá se dirigiram as que vinham de fora para implantar-se aqui, como a automobilística.
Mas, no pós-64, São Paulo tornou-se um vórtice, que engoliu tudo o que o Brasil produzia, de bom e de mau. Engoliu porque o capital financeiro tornou-a o ponto de desequilíbrio da vida nacional, porque ali passou-se a viver da grana que ergue e destrói coisas belas, como nos cantou Caetano Veloso. Até mesmo parte do pensamento acadêmico de São Paulo absorveu e processou sofisticamente essa deformação, renegando tudo o que que o Brasil extra-São Paulo produzira em lutas sociais. Deste núcleo, justamente, é que vieram os Fernando Henrique Cardoso e os José Serra.
O luxo e a miséria, a cultura e a exclusão, o bom e o mau passaram a se concentrar de tal maneira que os problemas de São Paulo já não têm soluções locais, porque depende de que ela faça parte de um país do qual ela não sugue, junto com as riquezas, a pobreza que não tem onde sobreviver.
Quando o Nordeste cresce, dá emprego e vida digna a seus filhos, faz bem a São paulo que não incha. Quando o Centro-Oeste encontra sua vocação agroindustrial, faz bem a São Paulo que pode trocar espaços e atividades mais adequadas á densidade de seu território. Quando se faz progredir a Amazônia sem destruí-la com a ganância dos grandes e o desespero dos pequenos, limpa-se o ar dos paulistas. Quando o Rio se recupera e recupera sua alegria, São Paulo ganha seu irmão implicante e divertido, que, de tão perto que está, não pode ficar senão ombro a ombro com ela, com as cotoveladas que os irmãos se dão.
Este novo momento de transformação do Brasil não pode ser feito contra São Paulo, nem muito menos sem ele. O Brasil do povo é, é claro, o Brasil onde povo paulista é protagonista. As elites dali tentam afastá-lo desta vocação de brasilidade, de integração que vem desde as bandeiras, dizendo que elas farão (ou fazem) de São Paulo um lugar perfeito. Mas como pode ser perfeito um lugar em que a miséria e o medo fecham os vidros dos carros, onde a periferia vira um quisto que se avoluma e ameaça engolfar toda a vida.
Temos todos um dever, a começar por Lula. Estender a vitória de Dilma a São Paulo como quem estende a mão a um irmão que foi levado a não se sentir parte da família. E a mão de São Paulo vai se estender, porque sua mão é a do povo, não de suas elites. Alguns companheiros, a meu ver, entendem mal esta missão, e cuidam de se tornarem palatáveis para a ela, nem que tenham de fazer um cursinho rápido de inglês, como disse ontem Lula ao comentar a reação da família Frias ao fato de ele pretender ser presidente da república sem falar o idioma dos dominadores.
Nós, cariocas, gaúchos, baianos, pernambucanos, cearenses, acreanos, somos todos paulistas porque amamos o progresso dessa terra e o povo que a ergueu e fez progredir, vindo de toda a parte. E os paulistas compreendem isso. Houve 1932, mas 14 anos depois, lá elegeram Getúlio senador com uma retumbante votação.
Dilma já está na frente em São Paulo, como em todo o Brasil. Vamos todos, de todas as partes, chamar São Paulo, o povo paulista e dizer: venham, venham, meus irmãos, venham ser líderes, como a sua capacidade lhes permite, de um país só, de um sonho só, de uma mudança na vida brasileira que só fará de São Paulo um lugar melhor para todos os paulistas.
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